O Apocalipse

Clóvis Barbosa
Blogueiro e conselheiro do TCE/SE

O contexto em que se vivia no início da era cristã era de total caos político. O império Romano mandava no mundo de então. De uma forma violenta, oprimia aqueles que não rezavam pela sua cartilha. Den-tre os maiores perseguidos estava a comunidade judaico-cristã. Foi nes-sa conjuntura que o apóstolo João de Patmos teria escrito o último livro da Bíblia, o Livro da Revelação, mais conhecido como o Livro do Apoca-lipse. João, que era apóstolo de Jesus Cristo, era assim chamado – de Patmos – pelo fato de ter sido exilado nessa pequena ilha do Mediterrâ-neo, onde os romanos exilavam os seus oponentes. João foi mandado para lá por causa do seu trabalho de pregação do Evangelho. No livro, um panorama político e social é traçado e, ao final, era anunciado o fim do mundo onde ocorreria a vitória do bem sobre o mal, tudo baseado, segundo o apóstolo, nas revelações feitas a ele por Jesus Cristo. Mas antes, o mundo seria governado durante mil anos por um anticristo que, à época, por tudo de ruim que representava, era personificado na figura do imperador Nero. E aqui abro um parêntese para falar sobre esta figu-ra nefasta da história que, há mais de dois mil anos, vem atravancando o processo de transformação social que se exige da humanidade. Isto através de figuras medonhas que, durante esse tempo todo, têm se apoderado do poder neste mundo de Deus. Em latim, o seu nome era Nero Claudius Caesar Augustus Germanicus, nascido em Anzio no ano 37 e falecido em Roma em 68 d. C. Governou Roma durante 14 anos. Filho do primeiro casamento de sua mãe Agripina, a Jovem, que se ce-lebrizou pela má-caratice e folha criminal extensa.

Nero, desde cedo, demonstrava ter problemas psicóticos. Logo após assumir o trono, com apenas 17 anos, tentou, por várias ve-zes, estuprar a própria mãe, além dos estranhos parceiros sexuais que gostava de exibir. Preocupado com o seu anjinho, eis que a mãe contra-ta os serviços profissionais do mais famoso filósofo da época, Sêneca, para trabalhar com ele. Durante algum tempo o lado sombrio do garoto foi controlado pela inteligência do seu preceptor, mas logo depois Nero irritou-se com a mãe e resolveu cortar o cordão umbilical que o ligava a ela. Tramou sua morte, cremando-a no seu próprio sofá. Mas voltemos ao livro bíblico. “Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, e

também no Reino e na constância em Jesus, encontrava-me na ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus. No dia do Senhor, entrei em êxtase, no Espírito, e ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, a qual dizia: ‘O que vês, escreve-o num li-vro e envia-te às sete igrejas’”. Autorizado, João começa a descrever cenas aterradoras e apavorantes, como a dos quatro cavaleiros espa-lhando a fome, a guerra e a peste; os anjos tocando trombetas anunci-ando castigos e catástrofes; trovões, relâmpagos, raios, terremotos e maremotos; caindo do céu granizo e fogo, misturados com sangue e uma grande estrela ardendo como uma tocha, transformando uma parte do mar em sangue. “Espalharam-se gafanhotos sobre a terra e recebe-ram poder igual ao dos escorpiões. Foi-lhes dito que não danificassem a vegetação da terra, nem as ervas nem as árvores, mas somente as pes-soas que não levassem na fronte a marca do selo de Deus. Não lhes foi permitido matá-las, mas sim atormentá-las durante cinco meses”.

E segue João na sua narrativa: “E a dor que causavam era semelhante à dor da picada do escorpião quando morde alguém”. Como na obra de Saramago, “As Intermitências da Morte”, escrita 2 mil e 5 anos depois, “as pessoas vão procurar a morte e não a encontrarão. Vão desejar morrer, mas a morte fugirá delas!” Não é à toa que muita gente acha que João, no apocalipse, esteja falando do fim do mundo, já que a humanidade jogou na lata do lixo os verdadeiros objetivos da vida terrena, como a solidariedade, a fraternidade e igualdade entre todos. Aliás, tudo estava preparado. O mundo iria se acabar no segundo milê-nio, exatamente no dia primeiro de janeiro do ano 1001. O Apocalipse de João dizia no capítulo 20: Vi um anjo que descia do céu segurando a chave do abismo e uma grande corrente. Agarrou o dragão, a antiga serpente – isto é, o diabo, Satanás – e acorrentou-o por mil anos; jogou-o no abismo, trancou-o e selou a porta por cima dele, para que nunca mais seduzisse as nações. Para causar mais pavor, São João, no capí-tulo 13 do Apocalipse, sentenciava: Vi sair do mar um animal com dez chifres e sete cabeças, e sobre os chifres dez diademas, e em cada ca-beça um título blasfemo. O animal parecia uma pantera, com patas de urso e boca de leão. (…) Então todos os homens acompanharam a fera e disseram em coro: ‘Benditos os que se parecem com a fera e podem lutar com ela’. O Apocalipse, que não passa de uma “revelação”, foi transformado numa “catástrofe”, disso se aproveitando as seitas místi-cas para se apoderarem da mentalidade popular, incutindo nela ideias e previsões das mais escabrosas ou algum tipo de salvação total através do sobrenatural.

Claro que essa visão de fim do mundo tem origem religiosa e é muito antiga. Zoroastro, na Pérsia, por exemplo, 1.500 anos antes de Cristo, já previa que o final dos tempos traria um novo mundo de paz e

felicidade. O Egito e a Mesopotâmia, além de outras nações, já tinham uma visão fatalista de que o mundo possuía um tempo limite de existên-cia. Para complicar a crença no fim da existência humana, anos antes do segundo milênio, o Vesúvio teve uma erupção tão catastrófica que cobriu toda a cidade de material vulcânico. Além disso, inexplicavelmen-te, incêndios assombrosos ocorreram em várias partes da Itália. Até a Basílica de São Pedro teve uma parte incendiada misteriosamente. Tu-do isso contribuía para o processo de alarde vivido pela população, in-clusive quanto à forma como ocorreria a passagem do milênio. Mas, um texto interessante é o do jornalista Salvador Nogueira, colunista do Sci-entific American Brasil e da revista Superinteressante, especializado em astronomia e exploração espacial. Diz ele: Acabar, o mundo vai mesmo, seja por uma catástrofe cósmica daqui a 7 bilhões de anos, seja por má conservação dos atuais locatários dessa bola azul – nós. Veja as possi-bilidades mais prováveis – e as mais exdrúxulas. A Terra nasceu há 4,6 bilhões de anos. Quando chegar aos 5,6 bilhões, porém, será um plane-ta morto. A vida por aqui tem só mais 1 bilhão de anos pela frente, e isso na mais estupidamente otimista das hipóteses. É que o Sol vai estar mais forte e brilhante lá na frente e fazer evaporar todos os oceanos da Terra. Isso, por sua vez, causará um efeito estufa ainda mais devasta-dor, tornando o planeta inteiro um inferno escaldante. Mas dificilmente vamos chegar até lá e testemunhar esse cenário.

E continua: A vida na Terra praticamente acabou 5 vezes. Is-so só no último meio bilhão de anos. A mais conhecida dessas fases de extinção em massa aconteceu há 65 milhões de anos. As vítimas mais famosas você conhece bem: os dinossauros. Já a extinção mais severa foi há 251 milhões de anos, matando 83% de todos os gêneros de espé-cies existentes então. Já perdemos aproximadamente 99% de todas as espécies que surgiram desde que a primeira forma de vida apareceu há 3.5 bilhões de anos, sendo as criaturas que hoje habitam a Terra uma pequena fração de todas que já existiram, acentuou. Para ele, a maior probabilidade é que o mundo vai acabar temporariamente diversas ve-zes nos próximos milhões de anos – e muito provavelmente levar a gen-te junto. Dependendo da causa, pode até mesmo acontecer em breve. E cita as 12 receitas mais prováveis para acabar com a brincadeira da vida neste nosso pequeno canto da galáxia: a queda de um asteróide, consi-derando que há mais de mil deles perto da Terra, esperando a hora de cair; um quebra-pau nuclear generalizado, fruto das ameaças que se-guem vivas, e seguirão assim para sempre, já que não dá para desin-ventar as armas atômicas; um supervulcão, cuja evidência a ciência já descobriu, alguns com trinta a sessenta quilômetros de largura; o sol as-sassino, antigamente mais frio e, com o passar do tempo, cada vez mais quente; a extinção do nosso campo magnético, que funciona como uma

barreira protetora contra a radiação nociva que vem do espaço; um hi-pervírus, letal, quer se espalha fácil como o da gripe; um aquecimento global de proporções venusianas, onde o planeta fica mais frio, até ficar tudo congelado.

Leonardo Nogueira cita, ainda, o envenenamento da atmos-fera, através da produção de uma bactéria que emita uma substância altamente tóxica, letal a quase todas as formas de vida; o bilhar estrelar, com o choque de planetas; uma champagne supernova, explosão de uma estrela; e finalmente a lei da natureza, aquela em que o homem se acha maior do que Deus, e que pode acontecer qualquer coisa, menos o de ser eliminado. Estamos todos errados. É preciso ver as coisas com os olhos da alma. Estamos passando por um momento de provação pe-rante a natureza. Hoje, à exceção dos profissionais de serviços essenci-ais, todos estamos em casa. Os colchões recheados de milhões, hauri-dos com o suor de outrem, de nada valerão se houver um colapso na saúde. A “revelação” da onda de corona vírus é nos mostrar que não somos nada, que termos da moda como empatia (se colocar no lugar do outro) e resiliência (lidar com seus próprios problemas e superá-los) de-vem permear toda a nossa vida. É tempo de enfrentar a vida com res-ponsabilidade e pensar no outro, e assim venceremos.

Clóvis Barbosa escreve aos sábados, quinzenalmente

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