Anotações sobre a História Social da Família Leite

Afonso Nascimento*
Professor de Direito da UFS

A família Leite tem sido um dos grupos familiares mais importantes na história de Sergipe. Não muito tempo atrás, visitando um sítio na internet chamado “Filhos Ilustres de Sergipe”, encontramos um artigo sobre a história dessa família sergipana de origem portuguesa. Essa família teria começado em Sergipe com a chegada de Francisco Ribeiro Leite, no século XIX. Aqui há um problema. Não ficou claro se o seu nome completo é Francisco Ribeiro Leite ou Francisco Rabelo Leite, como aparece no corpo do artigo.

O artigo é uma árvore genealógica laudatória porque põe em relevo aqueles que se tornaram “filhos ilustres de Sergipe”. É texto incompleto então posto que em todas as famílias existem os filhos que têm pouco sucesso na vida social. Ao invés de usar silêncios e omissões, o autor preferiu realçar somente os membros ditos “ilustres”. Acima do texto referido é exibido o que supomos ser o brasão da família. Dele constam flores de lis e seis cruzes de Cristo. Essas flores fazem alusão à monarquia francesa e a cruz diz da origem cristã da família, aparentemente vinda do norte de Portugal.

Não é oferecida informação sobre os pais de Francisco Ribeiro/Rabelo, bem como sobre a sua escolaridade, a sua profissão e as suas atividades econômicas. Acreditamos que tenha se tornado que grande proprietário de terras ou um dono de engenho em Sergipe. Esse senhor contraiu matrimônio com Maria Virgínia Accioly. Embora também não trate das origens sociais dessa senhora, de novo pensamos que devia ser filha de mais um dono de engenho. Dessa união, nasceu a primeira geração sergipana dos Leite: Augusto César Leite (1886), Júlio César Leite (1896) e Sílvio César Leite (1880).

Quanto a estes, o texto informa que Augusto César Leite foi médico, que Júlio Cesar Leite se graduou em Direito, foi industrial e senador e que Sílvio César Leite foi outro formado em Medicina. Observamos que esses três irmãos têm “César” no prenome, o que indica que seus pais pensaram para eles algo importante na vida. Anotamos também que o autor fala em “destacamos”, com isso indicando, aparentemente, a existência de mais irmãos e/ou irmãs. Teria sido esse o caso? Não importa. Nós não fazemos senão seguir a narrativa do autor.

Se o raciocínio estiver correto, esses irmãos terão formado três ramos para a sua família. São todos os três “meninos de engenho”, nascidos em engenhos de cana de açúcar, na expressão consagrada por José Lins do Rego. Em relação a Augusto César Leite, nada é dito sobre seus descendentes. Luz é posta na sua carreira de médico e nos cargos administrativos ocupados. Não podemos deixar de dizer que ele foi um dos fundadores da Faculdade de Direito (na qual ensinou Medicina Legal) e da Faculdade de Medicina de Sergipana. Não fala de atividades empresariais em relação a ele.

Quanto a Júlio César Leite, este se graduou em Direito no Rio de Janeiro. Ocupou diversos cargos políticos sem mandatos e foi eleito senador por duas vezes. Em termos de atividades empresariais foi industrial e banqueiro. Passou o comando de suas empresas a seu filho Jorge Prado Leite. Sobre este último nada mais é dito, mas se sabe que é pai de Ivan Leite, atuante no ramo industrial e na política sergipana até hoje. Ricardo Leite fez duas biografias, uma de seu avô Júlio e outra de seu tio Jorge. Sobre Sílvio Cesar Leite, o que nos é informado? Além de médico, foi pecuarista e morreu cedo, em comparação com os dois irmãos. Ao casar-se com Lourença Dias Rollemberg, Sílvio César Leite pôs no mundo os seguintes filhos: Francisco Leite Neto(1907), José Rollemberg Leite(1912), Gonçalo Rollemberg Leite (1906), Alfredo Rollemberg Leite, Márcio Rollemberg Leite e Maria Virgínia Leite. A senhora Clara Leite Resende pertence ao segundo casamento de Sílvio César Leite com Guiomar Sampaio. Vamos fazer uma pausa e alguns comentários sobre esses netos.

Pomos em destaque que Francisco Leite Neto guardou o nome do avô, Francisco Leite, e que os demais irmãos carregam o sobrenome Rollemberg. Isso nos faz lembrar que aí entra na história familiar dos Leite um outro grupo familiar importante que são os Rollemberg, ou seja, um casamento entre famílias socialmente tradicionais e poderosas. Anotamos também as suas profissões formais, a saber, todos são formados em Direito, à exceção de José Rollemberg, que tinha formação de engenheiro civil. Quanto a Maria Virgínia Leite, não temos informação a respeito de sua formação escolar. Em resumo, trata-se, então, de um grupo com muitos bacharéis em Direito

Além disso, merece registro o fato de ser família numerosa, coisa que, nas famílias tradicionais, significa muita divisão do patrimônio familiar (em sentido lato) herdado. Nesse caso, porém, parece que essa família grande deu certo e a tornou ainda mais importante. Não temos informação sobre Alfredo Rollemberg Leite, a não ser aquela que está no texto. Sabemos por fontes próprias que Márcio Rollemberg Leite foi comunista e, salvo engano, teria sido juiz de Direito em outro estado nordestino. Clara Leite Resende foi desembargadora, recentemente aposentada.

É interessante notar que, dentre esses netos, quatro foram polít.
icos, a saber, Francisco Leite Neto (secretário de Estado, interventor federal/governador, deputado, senador e principal liderança do PSD), José Rollemberg Leite (governador duas vezes e senador), Alfredo Rollemberg Leite (é apontado como político, mas não é dito que cargos ou mandatos ocupou) e Gonçalo Rollemberg Leite. Este último pode não ter tido mandatos eletivos, porém obteve cargos jurídicos importantes ocupados por indicação política. Também foi por três décadas diretor da Faculdade de Direito, depois transformada em departamento da UFS.

Não nos passou desapercebida a evidência do envolvimento desse grupo familiar nas atividades culturais da sociedade sergipana. Com efeito, além de sua presença na economia, no Direito e na política, esses irmãos Leite também foram professores no magistério secundário e superior – sem deixar de mencionar que estiveram ligados ao jornalismo. É possível pensar alto na política brasileira sem o controle, sem a influência ou sem a propriedade de meios de comunicação de massas? Não deixaremos de dizer que os três filhos homens de Júlio César Leite passaram por escolas secundárias de elite em outros estados, o mesmo acontecendo com sua formação universitária.

No artigo que nos tem servido de fonte não há referência às atividades econômicas dos netos de que temos tratado. Mas é conhecido de qualquer sergipano minimamente informado que eles estão enraizados na propriedade da terra, na produção de açúcar, na atividade bancária, entre outras. Deixamos para tratar, por último, de Maria Virgínia Leite que, casando-se com Augusto do Prado Franco, porá no mundo mais nove descendentes da família Leite. Mas o artigo apenas cita então Albano e Walter Franco. Na verdade, com essa união de famílias, os Franco passam a ser o mais novo e mais poderoso grupo familiar de Sergipe, com ascendência sobre os demais, porém sem o mesmo destaque cultural dos Leite.

Não estivemos interessados em refazer a árvore genealógica da família Leite sergipana. Ela não é uma família quatrocentona paulista, mas sua persistência biológica e social já ocorre há mais de um século e meio. O nosso interesse foi focado, antes, em compreender a importância social, política, econômica e cultura dessa família pública ao longo da história sergipana. A sua principal fonte de poder veio da terra. Sabemos que, quando levantamos os antepassados do lado da primeira mulher tornada Leite oriunda da família Accioly e dos matrimônios dos descendentes dela e do primeiro Leite sergipano, muitas famílias tradicionais surgem. Afinal, essas famílias se casam entre si. A família Leite é o que a literatura acadêmica chama de “grandes famílias”, referindo-se àqueles grupos familiares com longa tradição de mando, de direção política, jurídica, econômica, cultural e administrativa em sociedades como a sergipana.

*Coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Estado e a Democracia

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