Clodoaldo, um exilado em Berlim

Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS

A Alemanha comunista (ou a República Democrática Alemã, RDA) nunca foi o destino mais procurado pelos brasileiros que buscaram exílio na Europa. O país europeu mais popular entre os exilados foi a França e, nela, a sua capital Paris. Na extinta União Soviética, muitos brasileiros se exilaram, fizeram estudos, passaram temporadas por lá até a edição da Lei da Anistia em 79. Nas Américas, muitos militantes políticos contra o regime militar foram principalmente para Cuba, México e muitos outros fizeram uma parada no Chile onde ocorria uma transformação dentro da lei e da democracia antes de Pinochet. Nos Estados Unidos poucos foram buscar exílio, a exemplo de Abadias Nascimento e Guerreiro Ramos. Mas, de volta ao fio condutor desse texto, por que alguém escolheria exilar-se na Alemanha oriental? Essa foi a escolha do sergipano Clodoaldo Oliveira Lima.

Clodoaldo tinha 22 anos e acabara de concluir o curso científico no Ateneu. Essa idade “avançada” tinha uma explicação. Com efeito, antes de transferir-se para uma escola pública e laica, Clodoaldo tinha sido seminarista. Em sua passagem pelo Ateneu, Clodoaldo se destacou como presidente do Grêmio Clodomir Silva, do Ateneu, como grande orador e como liderança de greve estudantil. Segundo documentos dos órgãos estatais de informação, ele era liderado desde a Faculdade de Direito, de onde recebia orientações de seu mentor intelectual e político, o ex-estudante secundarista e então estudante de Direito Wellington Mangueira.

Até edição do AI-5, o nome de Clodoaldo só aparecia nos documentos do setor de informações estadual da Secretaria de Segurança Pública. A última informação sobre ele consistia na notícia de que fora participar de congresso em Salvador, juntamente com estudantes de Serviço Social. Em fins de 1968, mas já na vigência do AI-5, ele aparece pela primeira vez em documento do SNI, em lista dos líderes estudantis sergipanos, com direito a ficha individual, ao lado de nomes conhecidos do ativismo político contra o regime militar, como, por exemplo, Mário Jorge, Wellington Mangueira, Benedito Figueiredo, João Augusto Gama, etc.

Sobre as suas atividades, o documento do SNI reproduz o que estava escrito nos documentos da Secretária de Segurança Pública de Sergipe. “Tomou parte no “19º. Seminário de Problemas Estudantis e Realidade Brasileira” de maio a junho do corrente ano. Participou dos debates sendo um dos mais aplaudidos. Atuou diretamente nas greves estudantis do setor secundarista, fazendo discursos inflamados. Nas reuniões do Grêmio, concitava os colegas à prática de desordens no Estabelecimento, assim procedendo de acordo com as instruções recebidas dos elementos subversivos da Faculdade de Direito. Impôs ao Governador a retirada imediata da Polícia Militar que guarnecia o Colégio Estadual, no segundo movimento estudantil, sendo atendido em virtude das ameaças apresentadas pelo mesmo. Fez parte com outros companheiros de tendência ideológica marxista”

Outra transcrição obrigatória sobre a atuação política de Clodoaldo é a seguinte: “Compartilhou no dia 10 de abril, de um grupo de secundaristas, insuflado por elementos universitários. Invadiram a sede do Colégio Estadual de Sergipe, obrigando a todos os alunos que lá estavam, a abandonar as salas aula e engrossarem as suas fileiras, para em seguida obrigarem a suspender as aulas dos demais Colégios. Os estabelecimentos de ensino particulares, com receio de apedrejamento, encerraram imediatamente as suas aulas”.

Era membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Segundo Wellington Mangueira, Clodoaldo fora mandado passar uma temporada em Salvador, pois em Aracaju já começava a ser visado pelos órgãos de segurança e informação do regime militar em Sergipe. Antes de mudar-se para Salvador, ele passou alguns dias em Itabaiana, onde fez uma caminhada pelas trilhas da serra. Um desses acompanhantes de Clodoaldo foi Luciano Oliveira, mais jovem, futuro professor da Universidade Federal de Pernambuco, para quem Clodoaldo era objeto de admiração por causa de sua coragem de militante estudantil.

Em Salvador, cidade grande para o sertanejo nascido em Glória em 1946, ficou aos cuidados de Agliberto Azevedo, um quadro comunista tarimbado. Clodoaldo era visto como um comunista promissor que não podia ser “queimado” agora nas lutas estudantis baianas. As lideranças comunistas sabiam que ele entrara no radar dos órgãos de repressão. O ano de 1969 foi transformado num tempo de preparação para a sua retirada do Brasil. Foi levado ao Rio de Janeiro onde conseguiu passaporte e outros documentos. Os camaradas do PCB no Rio de Janeiro decidiram que ele deveria partir para o exílio na Berlim oriental, mas não podia ir diretamente para o país comunista. Depois do Brasil, não se sabe para qual país viajou antes de desembarcar na Alemanha comunista, país onde passará nove anos como exilado político. Saiu do território brasileiro sem uma ordem de prisão formalizada, dentro da lei, até porque não tinha cometido nenhum crime político. Sentia-se perseguido, precisa cair fora do país.

Quanto ao tempo passado na Alemanha comunista, pouco se sabe.  Segundo Marcelo Barreto, Clodoaldo fez curso de graduação em Engenharia Naval e trabalhou como engenheiro naval em Rostock, porto ao norte daquele país. Deve ter trabalhado em outros empregos, pois, apesar da boa acolhida, a regra de acordo com a qual não tem almoço de graça também valia entre os camaradas de Berlim. Em relação a essa que pode ser uma rica experiência do sergipano de Glória na Alemanha Oriental, ele nada falou durante oitiva na Comissão Estadual da Verdade em 2015.

Ele voltou ao Brasil em 1979 e, segundo Wellington Mangueira, foi recebido pelos camaradas comunistas no Rio de Janeiro. De acordo com minhas leituras de documentação oficial sobre exilados retornando ao Brasil, supostamente ele teve que depor na Polícia Federal sobre por onde andara, etc. Infelizmente não tive acesso a depoimento. Mas seus velhos amigos comunistas me falaram que ele se reintegrou ao grupo em Aracaju, antes de buscar novos horizontes partidários. Outro documento que pode conter mais informação sobre Clodoaldo é a petição redigida pelo advogado Wellington Mangueira requerendo indenização junto à Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. Mais uma vez não tive acesso a esse outro documento.

Ele foi à Alemanha oriental e voltou de lá antes da queda do Muro de Berlim, em 1988, período anterior à reunificação alemã, portanto. Como advogado, considero que saiu e voltou sempre dentro da legalidade. Clodoaldo nunca foi preso, interrogado, torturado na sua vida de militante comunista internacional. Foi um fugitivo da ditadura militar no momento em que começavam “os anos de chumbo”. Do Brasil ele ouviu e viu a Alemanha voltar a ser uma só. Hoje, aos 75 anos de idade, sobre esse passado alemão, o misterioso Clodoaldo colocou uma pedra.

PS: Na redação desse texto entrevistamos Wellington Mangueira, Marcélio Bonfim, Antônio José Góis e Marcelo Barreto e os seguintes documentos disponíveis a qualquer cidadão ou pesquisador no Arquivo Nacional:

BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78114051_d0001de0001.

BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78114051_d0001de0001

BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76074856_d0001de0001

BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_82003906_d0001de0001

BR%20SEAPES%20DOPS%20P82%2005%20(07-2)

BR%20SEAPES%20DOPS%20P82%2005%20(07-1) 

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