O Regime Militar não conseguiu barrar a entrada de professores no Departamento de Direito da UFS

Afonso Nascimento
Professor aposentador da UFS

Não sei dizer se eu ingressei como professor efetivo no Departamento de Direito (DDI), em 1994, obedecendo a um padrão exclusivamente meritocrático. Não lembro quais foram os membros da banca de professores encarregados de fazer a avaliação (a não ser Carlos Britto) e muito menos com quem eu estava competindo. Posso afirmar que tinha um diploma de mestrado (coisa rara no departamento à época), o que me dava uma vantagem grande muito em termos de pontuação em relação aos outros candidatos. Devo acrescentar que fiz o concurso na condição de professor visitante, estando já com um pé dentro do departamento. Nesse caso, o meu primeiro ingresso teve uma componente de seleção social, admito, pois o meu nome foi sugerido ao departamento por Carlos Alberto Menezes (“old boy network”), o conselho departamental endossou a sugestão e a professora Arlene Pereira Chagas, diretora da instituição, remeteu o processo à reitoria, lá ficando encalhado na mesa do reitor Luiz Fontes de Alencar. Foi necessária a atuação de parente meu para conseguir a assinatura com um “sim” da autoridade máxima da UFS.

Pesquisando sobre o assunto, observei que houve outros casos de professores que entraram como professor colaborador ou professor substituto e que depois foram efetivados mediante concurso público. A despeito de todos os cuidados para tornar os concursos para professor efetivo o mais objetivo possível, eles sempre tiveram, na história do Departamento de Direito e todos os outros, uma certa dose de seleção social lado a lado com a escolha meritocrática. Com efeito, querendo ou não, escancaradamente ou não, a seleção social de professores tem tido, quase sempre, um peso maior sobre a meritocracia. Para provar o que afirmo, dou como primeiro exemplo o caso dos professores fundadores, um grupo composto de juristas e políticos que se escolheram seguindo os critérios partidário e sua posição de destaque nas carreiras jurídicas em 1950, quando Sergipe era governado pelo PSD e pelo PRP. Um ou outro, e este foi o caso de Luiz Garcia da UDN, contrariou essa regra. Houve outros casos em que o critério social e político foi determinante, mas não vou elencar os concursos e os seus beneficiários neste espaço. Avançarei dizendo que, com o advento do regime militar e da Universidade Federal de Sergipe, o critério ideológico passou a contar muito fortemente na escolha de professores da UFS. Já escrevi sobre isso em outro espaço. Quero relatar aqui o caso de concurso para auxiliar de ensino do Departamento de Direito, ocorrido em 1974, quando o critério ideológico foi derrubado pelo diretor do departamento e pelo reitor da UFS.

Naquele ano, a Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), o órgão do SNI dentro da UFS, já estava completamente estruturada e se intrometia em todos assuntos relativos a concursos, seleções, enfim, tudo que dizia respeito ao controle ideológico de professores, estudantes e servidores. As informações que seguem abaixo foram produzidas antes da realização do concurso para professor auxiliar de ensino do Departamento de Direito da UFS. “Não deve ser aproveitado”, era a conclusão da AESI depois de expor as atividades “subversivas” sobre os candidatos, na linguagem do citado órgão, cogitados para o magistério jurídico. Foram quatro nomes e aqui eu deixo de apresentar o caso do mais tarde professor Francisco da Rocha, porque não teve veto por razões ideológicas.

O candidato José Anderson Nascimento recebeu um veto da AESI. Contra ele, existiam diversas restrições. Aqui estão elas: “O nominado, durante a sua vida estudantil, participou de agitações no Colégio Estadual de SERGIPE, onde cursava o curso colegial em 1964. Ainda em 1964, foi preso e indiciado em IPM instaurado no 282BC, em SERGIPE, tendo sido absolvido pela 6ª.RM. Em 1969, fazia parte do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito de Sergipe, sendo punido pelo Reitor, juntamente com todos os demais integrantes do Diretório, por liderarem movimento que intranquilizava o meio estudantil. Após formar-se, montou um escritório de advocacia juntamente com sua esposa. Politicamente, é filiado à ARENA e credenciado como advogado do Partido”. Hoje em dia, José Anderson Nascimento está aposentado como professor do DDI, (do qual foi diretor) e como juiz estadual, é advogado da área eleitoral, sendo ainda presidente da Academia Sergipana de Letras e membro de loja maçônica.

Elias Hora Espinheira foi outro candidato vetado. Esse foi o perfil ideológico produzido pela AESI: “Estudante da Faculdade de Direito. Pertence a ala esquerdista radical. Estava presente em todas reuniões estudantis do Estado. Participou de pedágios, distribuição de panfletos e das passeatas de protesto contra a morte do estudante Edson Luiz de Souto e a prisão do líder estudantil Wladimir Palmeira. Foi detido pela Policia Federal quando distribuía panfletos subversivo”. Busquei e não consegui encontrar mais informações sobre Elias Hora Espinheira. Não foi aprovado no concurso para professor do Departamento de Direito da UFS. Sei que foi candidato pelo PDS a mandato eletivo em 1982.

Por fim, eis os registros da AESI sobre Moacyr Soares da Motta. “Estudante do 3º. ano da Faculdade de Direito, tendo sido considerado como um dos elementos mais atuantes e pertencente à ala da esquerda radical. Participou da Assembleia Geral do DCE, realizada em 15 de Dez 68, para discussão do procedimento a ser adotado pelos estudantes quando da prisão dos estudantes sergipanos que participaram de Congresso da UNE, realizado em Ibiúna/SP, tendo o mesmo sido favorável à realização de uma Greve Geral e de uma passeata de protesto. Constou do uma relação dos estudantes que participaram do movimento de agitação estudantil durante o ano de 1968, motivo pelo qual teve o seu nome vetado, para matrícula no ano de 1969, pelo Comando da VI Região Militar”.

Moacyr Soares da Motta foi membro da Ação Popular (AP), grupo dissidente da Juventude Universitária Católica (JUC). Foi advogado antes de seguir carreira no Ministério Público de Sergipe. Não consegui informações sobre a realização do certame mencionado, ocorrido durante o governo do general Ernesto Geisel, quando eu ainda era estudante de Direito. Sei que José Anderson Nascimento e Moacyr Soares se tornaram professores da UFS. Quanto a Elias Hora Espinheira, desconheço se foi ou não aprovado no concurso. Não tenho informações sobre como a ordem da AESI foi ignorada. Suponho que o DDI, um departamento de autoridades, foi capaz de “peitar” o órgão do SNI, permitindo que os candidatos com fizessem o concurso e, aprovados, tomassem posse. Por que prejudicar a carreira de bons profissionais por causa de razões ideológicas tão pouco graves? Era o regime militar perdendo força, aos poucos, no Departamento de Direito.

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