Por trás das máscaras

Roberta Machado de Souza – Médica Intensivista dos Hospitais São Lucas e Universitário de Sergipe

Falar sobre a pandemia do novo Coronavírus é falar de uma experiência sem precedentes, que tem transformado, profundamente, nossa forma de viver a Medicina. Vimos toda uma estrutura hospitalar ser redimensionada, comissões e equipes multidisciplinares se reunirem para organizar, realizar treinamentos de procedimentos, aprimoramentos de técnicas adaptadas aos cuidados destes pacientes, definir equipamentos que precisavam ser adquiridos, debater diariamente sobre o dimensionamento de todos os suprimentos necessários.

A determinação do distanciamento social e todas as suas implicações psicossociais e econômicas. Entender o real significado de uma atividade essencial e, principalmente, o que é fazer parte dela…

É ter que enfrentar o desafio diário de se munir de coragem e de fé para entrar no campo de batalha! Se ver como parte de um exército estranho: um misto de cientistas angustiados com soldados convocados para uma guerra contra um inimigo desconhecido, invisível, mas muito astuto e agressivo… Fazer do percurso de casa até o hospital uma verdadeira liturgia, na busca da compreensão da própria identidade, missão, finalidade…

Depois de revestidos pela paramentação, ao entrarmos em contato com os pacientes, entender que temos uma arma muito poderosa, capaz de derrubar as barreiras da ansiedade, do medo e da dúvida, capaz de transpor as fronteiras do gênero, da idade, posição sócio-política – econômica ou religiosa, uma arma chamada: Propósito. Nestes dias de luta, tem sido este Propósito; que nos faz colocar em segundo plano, até mesmo nossas necessidades fisiológicas pessoais; o propulsor de todos nossos atos: aquele que abre nossa mente, nosso corpo e nosso espírito para “ressignificar” valores como despojamento, solidariedade, respeito, empatia, compaixão, união, confiança, compromisso, dedicação e cuidado.

Com o passar do tempo, com mais estudos, discussões clínicas e nossas próprias experiências, nossas rotinas se tornaram mais seguras, nossas posturas mais maduras diante deste grande desafio e nossos resultados bastante satisfatórios… Tivemos muitas vidas perdidas, sim, mas, que deixaram um grande aprendizado de luta e que, portanto, também fazem parte do time de vencedores! Vivemos experiências inenarráveis e que nenhum tipo de registro será capaz de reproduzir, mas que vão ficar na nossa memória, para sempre…

Jamais poderíamos imaginar que em tempos de multimídias tecnológicas o “olhar” seria nossa mais importante forma de nos comunicar! Experimentamos milagres e entendemos que é possível criar laços mesmo à distância e que “acolhimento” transcende o que chamamos de espaço físico…

Por trás destas máscaras não existem heróis, existem, sim, profissionais compromissados com a construção de um mundo melhor, alimentados pela esperança de que realmente isto esteja acontecendo… Que este seja o nosso legado para o “novo normal”, quando ele chegar…

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