Pandemias. Orientações que Resistem ao Tempo

Antônio Carlos Sobral Sousa
Professor Titular do Departamento de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Chefe da Unidade do Sistema Cardiovascular do HU-UFS

A humanidade está vivenciando mais uma pandemia, a causada pelo “2019 Novel Coronavirus”, também conhecido como Covid-19. Trata-se de uma virose, para a qual não existe tratamento específico e, ainda, não se dispõe de uma vacina, que seria de grande utilidade na prevenção e, portanto, ajudaria na contenção da propagação da enfermidade. Esta doença, cujos sintomas de febre, tosse e dificuldade para respirar se assemelham a uma gripe, se manifestou, primeiramente, em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, sendo inicialmente classificada como um Surto. Graças à sua alta contagiosidade (transmitida pela saliva, espirro, tosse ou aperto de mãos) e, favorecida pela difusão dos transportes do mundo moderno, o Covid-19 passou a se espalhar pela própria China e foi exportada para a Ásia e Europa, adquirindo o status de Epidemia. Atualmente, com a sua disseminação em escalada global, a OMS resolveu classificá-la de Pandemia.

O Novo Coronavirus é transmitido com bastante eficiência, uma vez que, uma pessoa infectada espalha a doença para duas ou três outras, conferindo uma taxa exponencial de aumento. A dificuldade para contenção desta enfermidade se deve, também, à constatação de que indivíduos levemente doentes ou mesmo aqueles pré-sintomáticos podem transmiti-la. Comparativamente à Doença Respiratória Aguda Grave (SARS), que também deixou o mundo em alerta em um passado recente, o Covid-19 já causou mais casos, em um quarto do tempo. Segundo os epidemiologistas, tomando como base o ocorrido em países como a China, Coreia do Sul, Itália e Espanha, após ultrapassados os primeiros 50 casos, a progressão da doença cresce vertiginosamente. O Brasil atingiu, recentemente, este patamar e, portanto, projeta-se a disseminação da enfermidade por todos os Estados, e no dia 14 de março passado, ela foi registrada, pela primeira vez em Sergipe.

Será que estamos diante de uma catástrofe iminente que varrerá parte significativa da nossa população? As redes sociais têm sido inundadas, ultimamente, por informações antagônicas: de um lado os acusados de “negligentes” e, do outro, os taxados de “exagerados”. A este respeito, meu amigo e colega, Luís Correia, do blog “Medicina Baseada em Evidência” fez, recentemente, uma interessante reflexão sobre a necessidade de despolarizar esta controvérsia, entendo o valor científico e prático destas formas de pensamentos. Baseado na linha de atuação de dois personagens do mundo científico, representativos destes polos, Luis mostra, que os “tranquilizadores”, representados pelo epidemiologista Peter Ghosh, apostam no baixo risco ou probabilidade de morrer em decorrência da doença, comparável ao do resfriado comum e, muito mais baixo do que o causado pelas doenças cardiovasculares e alertam para o pânico com as suas consequências econômicas. Portanto, do ponto de vista epidemiológico individual e comunitário, a história dessas viroses, no mundo moderno, não representa um cataclisma e, assim, deveríamos ter mais tranquilidade. Entretanto, estes especialistas reconhecem que devem ser adotadas e apoiadas medidas rígidas de saúde pública, visando a deter a propagação da doença. Por outro lado, os pensadores “alarmistas”, entre os quais se destaca Nassim Taleb, polêmico e famoso por ter criado o termo “cisne negro” como forma de identificar eventos imprevisíveis e de grande intensidade, cujas consequências não podem ser vislumbradas, fazendo analogia a uma antiga crença de que todos os cisnes eram brancos, até que o primeiro de cor negra ser visto na Austrália em 1697. Este filósofo chama a atenção para o elevado dano que causaria uma eventual catástrofe e, embora não afirmando que isto vá ocorrer, ressalta a necessidade de estar preparado para tal. Aqui, entra em cena outro conceito de Nassim Taleb, abordado em um dos seus livros, o do “antifrágil”, ou seja, aquele que se prepara para a ocorrência de algum evento. Neste sentido, devemos evitar aglomerações e os hospitais devem estar preparados, fazendo planos de contingência, dimensionando respiradores e treinando os seus profissionais para lidar, com segurança, essa doença. Todavia, tanto a comunicação como as ações adotadas não devem ser exageradas, para que as consequências intencionais não sejam superadas pelas não intencionais, impactando na economia e na própria assistência à saúde.

A história tem mostrado que as grandes epidemias exibem curso parecido, com início localizado por algum tempo, seguido da explosiva disseminação, promovendo tensão e crise individual e coletiva para, em seguida, declinar e desaparecer. Por que não aprender com os erros do passado? Quando a influenza atingiu os Estados Unidos em 1918, as cidades que implementaram medidas de fechamento de escolas, proibições de reuniões públicas e outras formas de isolamentos e quarentenas, tiveram êxito na contenção da epidemia, bem como na redução da mortalidade total. Na pandemia vigente, ao que parece, a Itália, que está sendo penosamente afetada, retardou em reconhecer o risco e tomar as referidas medidas protetoras.

Revendo as recomendações à população, feitas há mais de um século, por ocasião da Gripe Espanhola, observamos que elas podem ser seguidas no momento atual: a) evitar aglomerações; b) não fazer visitas desnecessárias; c) tomar cuidados higiênicos como evitar cumprimentar (apertos de mão, abraços e beijos) e lavar as mãos, adequadamente, sobretudo com água e sabão; d) evitar todo tipo de fadiga ou excesso físico; e) as pessoas com sintomas de gripe (febre, tosse e espirros), devem ficar isoladas em casa e usar máscara para evitar o contágio. Ao espirrar ou tossir, devem cobrir o nariz e a boca com o cotovelo flexionado ou com um lenço o qual deve ser descartado e, em seguida, as mãos higienizadas; não receber, absolutamente, nenhuma visita e f) todas estas medidas devem ser aplicadas com maior rigor às pessoas idosas, as imunodeprimidas e as portadoras de enfermidades crônicas.

Finalizo, afirmando que todo cidadão deve, com tranquilidade, se engajar neste combate e que, as corretas medidas de saúde pública, até então adotadas no Brasil, devem ser apoiadas e entendidas como promotoras de segurança, evitando-se o pânico que pode causar mais prejuízo econômico ao nosso precário serviço de saúde.

*Coordenador do Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital São Lucas / Rede D’Or – São Luiz de Aracaju-SE; e Membro das Academias Sergipanas de Medicina (ASM), de Letras (ASL) e de Educação (ASE) e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE).

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