Pandemia, Medo e Ciência

José Vieira da Cruz*
Doutor em História pela UFBA

O medo costuma alimentar preconceitos, fugas e a desorganização social, isto pode ser observado em diferentes momentos da História. Insere-se nestes contextos, os períodos de enfrentamento de doenças graves, letais, de rápido contágio e disseminação. Essas enfermidades, sob a forma de epidemias e de pandemias, em larga escala atingem regiões, continentes e, em muitos casos, a população mundial sem distinção de nacionalidade, ideologia, religião, cor partidária, classe, raça e gênero. Em regra, esse sentimento é realimentado pelo aumento de casos do contágio e, consequentemente, de mortes.

A enfermidade provocada pelo denominado COVID-19, sigla em inglês para “Coronavírus Disease 2019”, é o mais recente desafio enfrentado pela humanidade. De epidemia, no último semestre do ano passado no continente Asiático, a pandemia, em 2020, devido a sua rápida capacidade de disseminação e de seu poder de adoecimento e de mortalidade, este vírus tem provocado insegurança econômica e social no mundo. Diante desta realidade, os noticiários e as redes sociais, a partir dos pronunciamentos de profissionais da área da saúde, de cientistas e de autoridades governamentais, têm provocado na população diferentes reflexões sobre a fragilidade da vida humana e como o desenvolvimento científico e tecnológico podem resolver esta situação. Nota-se que onde há a valorização da pesquisa científica a sociedade alimenta a expectativa do desenvolvimento de vacinas, medicamentos e tratamentos adequados. Entretanto, a realidade fática da falta de vacinas, de medicamentos e do estrangulamento da capacidade de atendimento dos sistemas de saúde, tem suscitado em vários países o isolamento social como principal estratégia de prevenção para diminuir tanto o ritmo de contágio quanto o do aumento de doentes que precisam de tratamento intensivo. Vive-se, portanto, neste primeiro trimestre de 2020, uma corrida contra o tempo.

Em um cenário de medo, desinformações, rápida propagação do vírus e fragilização da economia mundial, a ciência e os cientistas têm sido convocados para, junto com os profissionais da saúde, vencer mais este desafio em prol da humanidade. Dentro deste esforço, o aprendizado do passado sobre a história social da saúde, em particular de epidemias e de pandemias, é também fundamental. Sobre esse ângulo de abordagem destaco duas obras: “A História e suas epidemias” e a “História do Medo no Ocidente”. A primeira, de autoria do infectologista Stefan Cunha Ujvari, descreve a história da convivência dos homens com os microrganismos, em particular, suas formas de contágio e propagação ao longo dos tempos.

A segunda, de autoria do historiador Jean Delumeau, referência no campo da História das Mentalidades, falecido em janeiro de 2020, revela, dentre outros assuntos, os registros de epidemias e de pandemias provocadas pela Peste Negra na Europa, a partir de Paris, entre os séculos XIII e o século XVIII. Nesta obra, a maior contribuição do autor, é o alerta para os riscos da ignorância, dos sentimentos de ódio e do medo provocados pelo desconhecido, pelos preconceitos e temores socias. Situações superadas, conforme o autor, nos casos do combate a epidemias e pandemias, a medida em que o conhecimento cientifico avança e a humanidade passa a conhecer e controlar as formas de contágio, tratamento e prevenção. A ciência, a saúde e a educação, portanto, têm sido o caminho trilhado pela humanidade para vencer estes desafios ao longo da História.

Em relação ao Covid-19 não será diferente. A humanidade a partir dos avanços da ciência, da saúde e da educação também encontrarão os caminhos para o seu controle e superação. Mas, tenho dúvidas quanto a velocidade da socialização do seu controle para todos indistintamente. Países que cortam investimento em ciência, saúde e educação pública pagarão um preço maior tanto economicamente quanto em quantitativo de vidas humanas. Populações de rua, periféricas, excluídas de processos educacionais e economicamente vulneráveis seguramente sofrerão mais.

Não sabemos ainda quando essa pandemia será controlada. É possível que um novo mundo ressurja desta crise. É possível que algumas economias neoliberais reavaliem a importância dos investimentos em saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e socialmente responsável. É possível que alguns países repensem a importância da saúde pública, da educação pública e da previdência social pública. É possível que jovens democracias, como é o caso da brasileira, repensem suas escolhas políticas, econômicas e sociais. Na contramão deste pensamento, penso não haver futuro para quem não investe em ciência, inovação, saúde e educação. Enquanto isso não ocorre, viveremos a experiência de um mundo sitiado por um vírus com grande poder de propagação e mortalidade, pela ganância de mercados focados em lucros financeiros e pela falta de um projeto de autodesenvolvimento humano, plural, sustentável, justo e ético.

*Professor da UFAL e membro do IHGSE

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