JK e sua única derrota nas ruas

José Lima Santana
Padre, advogado e professor da UFS

Fugindo da minha linha predileta, mas não única, de publicações no Jornal da Cidade, sites e blogs, na semana passada, edição do dia 16, eu me referi, no artigo sobre o Nobel de Literatura deste ano, à derrota sofrida na ABL pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Escrevo, hoje, sobre a sua única derrota nas urnas.

Na década de 1970, JK quis ingressar na Academia Brasileira de Letras. Os militares no Poder não gostaram e pressionaram o presidente da entidade, Austregésilo de Athayde, para impor a Juscelino o que seria a sua única derrota eleitoral em toda a vida. A Academia tinha pedido financiamento oficial para construir um edifício ao lado de sua sede, o Petit Trianon, no centro do Rio – em terreno, aliás, doado à ABL no mandato de JK. Se ele fosse eleito, o financiamento não sairia. Era a imposição.

Apesar das pressões, sondagens indicavam que ele poderia ganhar com folga, mas acabou perdendo. Após a derrota, comentaria: “Me venderam por um bloco de cimento”. E anotou em seu diário: “Estou pulverizado por dentro. Pus muita fé na minha eleição. Desejava-a ardentemente, o prestígio que compensasse os imensos dissabores de 1964. […] Nunca imaginei que a derrota pudesse me ferir tanto”. Dias depois, Athayde convidou JK para um almoço e tentou lhe explicar o que ocorrera. JK não deixou. “Presidente”, cortou ele, “sou entendido em matéria de eleições. Quando se perde, não se deve perguntar por quê” (http://www.projetomemoria.art.br/JK/biografia/5_unica.html).

Discorrendo sobre a derrota de JK, o jornalista Geneton Moraes escreveu: “Aos que nasceram ontem: cassado pelo regime militar, JK amargava uma espécie de exílio interno no Brasil. Era o mais popular dos ex-presidentes. Mas não podia se candidatar a nada. Não havia eleição direta para prefeito de capital, governador de Estado e presidente da República. Os generais se revezavam no Poder. A eleição de JK para uma vaga na Academia Brasileira de Letras se transformaria, obviamente, num acontecimento político. O discurso de posse seria um ‘acontecimento’. Quando as urnas da Academia foram abertas, no entanto, JK recebeu a pior notícia: tinha sido derrotado pelo escritor goiano Bernardo Élis” (https://g1.globo.com/platb/geneton/tag/academia-brasileira-de-letras/).

No mesmo texto, Geneton completou: “Quem terá ‘traído’ o ex-presidente? Jamais se saberá. A eleição é secreta. Os votos viram cinza depois de embebidos em álcool e incinerados numa urna que fica guardada numa sala da Academia. Minha garimpagem rendeu esta revelação: a história completa da derrota de JK traz, ainda, capítulos obscuros. O Caso JK é uma pequena mostra de que a Academia, obviamente, não é infensa ao rol de sentimentos que move a comédia humana: grandezas, miudezas, glórias, fracassos, belezas, vaidades, traições, luzes, sombras, esplendores, escuridão. Aqui há também cintilâncias e apagões. C´est la vie”. Pois sim: é a vida.

Jaime Sautchuk, em publicação de 22/09/2016, teceu comentários sobre a derrota de JK, na ABL. Ele disse que o presidente Ernesto Geisel prometeu “abertura política”, quando de sua posse, mas “havia uma pedra no meio do caminho que precisava ser aniquilada. Chamava-se Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK”. E foi além: “A caça a JK começou com a ação golpista de 1964. Quando deixou a presidência da República, em 1961, ele havia sido eleito senador por Goiás. Logo após o golpe, ele fez um contundente discurso no Senado em favor da democracia e teve seu mandato cassado no mesmo dia, sendo privado de todos os direitos políticos” (https://vermelho.org.br/coluna/com-jk-foi-assim/).

JK foi preso em 1965, após regressar da França, para onde foi em 1964, por conta de ameaças. Interrogaram-no severamente. Processo por corrupção foi aberto contra ele, cabendo à sergipana Maria Rita Soares, primeira juíza federal brasileira, inocentá-lo. Em 1968, com o AI-5, foi preso novamente. Solto, foi aos EUA para tratamento de saúde. Retornou em 1971, para ver a mãe, idosa, morrer em seus braços. Aspirava, então, “um lugar ao sol”. Em 3 de maio de 1975, foi eleito e assumiu uma cadeira na Academia Mineira de Letras. Em seguida, candidatou-se à ABL, com a mesma ideia de busca por um lugar ao sol, que lhe desse alguma visibilidade, tomada pelos militares.

No livro “O Essencial de JK”, Ronaldo Costa Couto, citado por Jaime Sautchuk, afirmou: “Verdade que JK teve ajuda de vários acadêmicos, como Josué Montello e Jorge Amado. E também de amigos bem relacionados no meio. Um deles, Renato Archer, avisou que a maior dificuldade não seria o concorrente Élis, mas o governo militar. Se Juscelino vencesse, o financiamento para a construção do prédio não sairia.”

Carlos Heitor Cony, então membro da Academia, escreveu o livro “JK e a Ditadura”, em que fala da possibilidade de vitória dele nessa eleição acadêmica. Afirmou: “Havia um clima favorável nos meios intelectuais, que reconheciam a necessidade de uma reparação ao ostracismo e às perseguições que JK vinha sofrendo. Contudo, logo se armou um esquema poderoso, que envolveria informalmente o próprio governo.” Dizem que os ministros Golbery e Ney Braga agiram decisivamente contra JK.

Foram quatro meses de campanha. E chegou, enfim, o dia das eleições, 23 de outubro de 1975. O clima estava acirrado, algo nunca antes vivenciado na Academia. JK e Bernardo souberam do resultado por telefonemas. JK estava na casa de sua filha Maria Estela. Carlos H. Cony conta que ele desligou o telefone, pediu a ela que colocasse uma música no toca-discos e a chamou pra dançar. JK perdeu no terceiro escrutínio por 20 x 18. Entretanto, no dia da posse, de modo elegante, lá estava JK entre os convidados, com jeito sereno e alegre, que chamou a atenção dos demais. Logo ao chegar, caminhou até onde Bernardo estava e o cumprimentou efusivamente. E foi aplaudido de pé por todos os presentes. Enfim, o prédio foi financiado e construído.

Como autor ou coautor, JK publicou alguns livros, geralmente sobre a sua atuação político-administrativa e, mais de perto, sobre a construção de Brasília: “Por Que Construí Brasília”, “Meu Caminho Para Brasília”, “A Escalada Política”, 50 Anos em 5” etc. No início de 1976 recebeu da União Brasileira de Escritores o troféu Juca Pato, como o intelectual do ano de 1975. Ele morreria a 22 de agosto de 1976 no rumoroso acidente automobilístico na Via Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro. A ABL não o imortalizou, mas a sua própria vida, sim.

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