É possível ser classificado como sedentário mesmo sendo ativo fisicamente?

Prof. Dr. Danilo Rodrigues Pereira da Silva; Bacharel em Educação Física e Professor no Departamento de Educação Física e do Programa de Ciências da Saúde da UFS.

A estabelecida relação entre a prática de atividade física e saúde não é tão antiga quanto parece. Os primeiros estudos que associaram um estilo de vida ativo a benefícios à saúde datam da década de 1950 em Londres. Todavia, evidências mais robustas sobre esses benefícios foram obtidas apenas nas últimas décadas. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que adultos (18 a 64 anos) realizem pelo menos 150 minutos semanais de atividade física de intensidade moderada ou 75 minutos de atividades vigorosas, ou ainda uma combinação entre elas. Ou seja, para ser classificado como “ativo fisicamente”, um adulto deve alcançar essas recomendações ao longo da semana, seja em atividades de tempo livre, em deslocamentos, nas atividades ocupacionais (trabalho ou estudo) ou em atividades domésticas. Estima-se que em torno de dois terços dos adultos do mundo todo são ativos fisicamente.


Contudo, considerando que os 150 minutos representam uma pequena parcela do tempo semanal das pessoas, pesquisas começaram a observar que, apesar de importante, atingir as recomendações da OMS poderiam ser insuficientes para maximizar os benefícios de um estilo de vida ativo sobre a saúde e que seria necessária a atenção ao restante do dia/semana. Para exemplificar: um adulto que dorme 8 horas por dia tem 16 horas de vigília para alocar todas as suas atividades diárias; se considerarmos que as recomendações da OMS podem ser cumpridas realizando 30 minutos de atividades físicas de moderada intensidade em 5 dias na semana, essa pessoa ainda terá mais de 15 horas diárias em comportamentos diversos. Nesse sentido, pesquisas identificaram que as diferentes formas de alocar movimento no restante do dia têm influência em indicadores de saúde e algumas orientações adicionais passaram a ser frequentes em guias e recomendações em saúde populacional.


A principal mudança a partir dessa nova forma de compreender as manifestações do movimento ao longo de um dia foi a ressignificação de “comportamento sedentário”, até então visto apenas como o oposto de atividade física (quem não cumpria com as recomendações da OMS era considerado “sedentário”). Com o avanço tecnológico, muitas tarefas do dia-a-dia foram automatizadas, demandando menor esforço físico, enquanto a disponibilidade de equipamentos eletrônicos proporcionou um ambiente favorável a um menor dispêndio energético. Assim, pesquisas começaram a identificar que mesmo entre pessoas ativas fisicamente (que atendiam aos 150 minutos semanais recomendados pela OMS), aquelas que utilizavam o restante do seu dia em atividades predominantemente sedentárias apresentavam maiores riscos a desfechos desfavoráveis de saúde. Dessa forma, em 2017, um grupo de especialistas internacionais redefiniram “comportamentos sedentários” como comportamentos realizados no período de vigília, com baixo dispêndio energético, na posição sentada, reclinada ou deitada. Apesar de não parecer uma grande mudança, uma nova área de investigação e intervenção passou a existir a partir de então. Não apenas a preocupação em proporcionar oportunidades para a realização de 150 minutos semanais de atividade física moderada, mas também o equilíbrio da alocação do restante do dia em atividades sedentárias e leves passou a desafiar pesquisadores e formuladores de políticas públicas.


Uma vez que esse novo paradigma do comportamento sedentário é recente, ainda não há consenso sobre quantas horas por dia as pessoas deveriam estar em comportamentos sedentários para reduzir os riscos à saúde. Todavia, é consensual que evitar longos e ininterruptos períodos de tempo em comportamentos sedentários (com pausas ativas de 5 min de atividade física leve, por exemplo) está relacionado com benefícios à saúde. Portanto, é possível classificar as pessoas com relação aos dois comportamentos (atividade física e comportamento sedentário) de maneira independente, a saber: 1) ativo não-sedentário (ex.: um professor que leciona em pé diariamente e joga futebol três vezes por semana); 2) ativo sedentário (ex.: um trabalhador de escritório que frequenta a academia diariamente); 3) inativo não-sedentário (ex.: uma cabeleireira que está boa parte do dia em pé, mas que não realiza atividades físicas de intensidade moderada ao longo do dia); e 4) inativo sedentário (ex.: um estudante universitário que despende boa parte do dia sentado e que não pratica atividades de intensidade moderada ou vigorosa).


O Centro de Investigação em Saúde, Atividade Física e Esporte (SAFE) da UFS desenvolve pesquisas sobre a combinação desses comportamentos na população, tanto= em uma perspectiva descritiva de caracterização dos níveis de atividade física e comportamento sedentário, quanto dos seus efeitos em médio e longo prazo e intervenções para promoção estilos de vida ativos. Atualmente o SAFE está envolvido em um estudo de coorte multicêntrico, que envolve mais de 50 centros de pesquisa de 20 países, e busca compreender como as mudanças e as combinações desses comportamentos estão relacionadas à incidência de transtornos mentais em universitários. Além disso, o SAFE desenvolve, desde 2018, uma intervenção de base escolar com foco na redução e interrupção do comportamento sedentário de crianças durante as aulas, buscando estimular uma mudança comportamental com potenciais benefícios expansivos ao desempenho cognitivo e sucesso escolar. O denominado Projeto ERGUER acompanha atualmente em torno 180 crianças de 6 escolas municipais de Aracaju e conta com a parceria da Secretaria de Educação do município.


Dessa forma, esse novo entendimento dos comportamentos adotados ao longo do dia desmistifica um olhar tradicional da atividade física pautada unicamente no exercício físico realizado no período de lazer (ex.: corrida, musculação, etc.), uma vez que estimula a inserção de atividades físicas moderadas e vigorosas em outros domínios do dia. Além disso, destaca a importância de se atentar à redução e interrupção de longos períodos sedentários ao longo do dia. Isso se aplica a pessoas que se consideram sedentárias por não frequentarem a academia ou pessoas que praticam regularmente atividades moderadas e vigorosas e consideram que estão protegidas dos efeitos adversos do comportamento sedentário. A mensagem que fica é que o movimento, bem distribuído, deve fazer parte de um dia saudável.

COLUNA CIÊNCIA E SAÚDE – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE – COLUNA 199
Editor: Prof. Dr. Ricardo Queiroz Gurgel
Coordenadora PPGCS: Prof. Dra. Tatiana Rodrigues de Moura

Rolar para cima