Basílio Pirro: um engenheiro a serviço da Província, 1848-1860

Amâncio Cardoso (1)

Quem é de Sergipe sabe que o engenheiro Pirro projetou Aracaju, em 17 de março de 1855. Ele desenhou o “quadrante Pirro” que corresponde ao atual Centro Histórico. Porém, outras informações sobre esse personagem são escassas, ou até mesmo desconhecidas. O que fez Pirro em Sergipe, além de projetar a nova capital? Para responder à questão, examinemos algumas fontes e analisemos sua trajetória.

Sebastião José Basílio Pirro nasceu no Rio de Janeiro, em 1817 (2). Ele era filho de José Basílio Pirro e da portuguesa Margarida Rosa de Avelino Pirro. Estudou na Escola de Marinha em 1835, chegando a 2º tenente. Depois passou para o Corpo de Engenheiros do Exército, em 1843, após receber o grau de bacharel em matemáticas na Escola Militar da Corte. Pirro exerceu várias comissões a serviço do Ministério da Guerra, no Amazonas, Pernambuco e Sergipe (3).

Na província de Sergipe, o engenheiro militar se apresentou em São Cristóvão no dia 14 de dezembro de 1848, já como 1º tenente de engenheiros, para dirigir as obras públicas. Ou seja, ele aportou na antiga cidade quase sete anos antes da mudança da capital (4).

O militar engenheiro permaneceu em Sergipe cerca de doze anos, entre 1848 e 1860. Foi aqui que Pirro conheceu sua esposa, a sergipana Maria Vitória Pinheiro Pirro, com quem teve três filhos: Afonso (faleceu recém-nascido), Antônio Sebastião Basílio Pirro e José Sebastião Basílio Pirro (5).

Quanto a atuação profissional do engenheiro militar, um dos primeiros trabalhos de Pirro foi fazer parte da comissão que decidiu demolir a nova torre do Convento de São Francisco, em São Cristóvão, que estava para ruir, apresentando fendas na parede de adobe, e cuja altura era desproporcional à antiga edificação. Outra torre foi construída sob a direção de Pirro (6).

As principais obras realizadas ou inspecionadas pelo engenheiro Pirro, antes da mudança da capital de Sergipe, foram: em São Cristóvão – inspeção da obra do mercado; da calçada do porto das Salinas; planos das pontes dos rios Poxim, Poxim-mirim e São Gonçalo; aterro da ladeira do açougue e da rua São Francisco; reparos no salão da biblioteca e casa da tipografia; obra da fonte de água potável na ladeira de São Miguel; obra da estrada da antiga capital até Laranjeiras; planta do canal entre os riachos Poxim e Santa Maria. Em Estância – plano das pontes dos rios Piauí e Fundo, e exame da ponte do Piauitinga. Em Itaporanga – reparos na ponte do rio Pitanga. Em Nossa Senhora do Socorro – casa da Mesa de Rendas no povoado do Aracaju; entre outras obras nos demais lugares da província (7).

Em 1850, Basílio Pirro fez parte da comissão encarregada de revisar o Regulamento de Obras, para dar melhor andamento e “evitar abusos” na fiscalização e direção dos trabalhos na província (8). Sob este novo regulamento, Pirro executou em Sergipe plantas, orçamentos, inspeções, reparos e direção de obras em ruas, pontes, estradas, canais, mercados, templos, prisões, fontes, casas e sobrados. Seu trabalho era intenso por causa da exiguidade de outros engenheiros, além das precárias condições de trabalho e salário (9). Mas desde agosto de 1849, o soldo de Pirro havia melhorado porque o 1º tenente fora promovido a capitão graduado do Corpo de Engenheiros do Exército (10).

Entretanto, o capitão Pirro não trabalhou apenas em obras públicas. Devido a sua formação, ele era convidado eventualmente para participar de bancas de exame de candidatos a professores de primeiras letras. Nestes concursos, além de sua capacidade intelectual Pirro era convocado por sua solicitude, diligência e retidão moral (11).

Exemplo disso são as declarações sobre seu perfil expressas pelos presidentes da província Amâncio João Pereira de Andrade e Inácio Joaquim Barbosa (1821-1855), os quais escolhiam os membros das comissões para os concursos ao magistério. O primeiro declarou que Pirro era “hábil, inteligente, zeloso e expedito”; e o segundo afirmou que o engenheiro era “muito inteligente, prático e ativo” (12). Até um jornal da Corte e outro de Pernambuco, onde o engenheiro também atuou, escreveram que seus filhos herdariam “um nome honrado” (13).

A demanda profissional de Basílio Pirro em Sergipe aumentou após a mudança da capital para Aracaju, em 1855, durante a qual o engenheiro foi responsável pela administração de diversas obras. Assim sendo, o presidente Inácio Barbosa respondeu a uma solicitação da Câmara de Santo Amaro dizendo que os vereadores seriam atendidos logo que o engenheiro Pirro ficasse “menos atarefado dos diversos objetos que ora tem a seu cargo” (14).

Entretanto, as construções na nova capital foram paralisadas entre agosto de 1855 e fevereiro de 1856, devido à pandemia de cólera que ceifou a vida de significativa parcela da população. Além disso, houve o falecimento do presidente Inácio Barbosa no auge da pandemia por febre palustre, em outubro de 1855, consequência dos trabalhos por ele acompanhados da retirada dos mangues e do aterro de alagadiços (15). Entretanto, com o fim do cólera e a chegada do novo presidente, que pedira ao Imperador a permanência de Pirro em Sergipe, as obras foram retomadas (16).

Uma das primeiras construções de Pirro na nova capital, foi a fatura da planta de uma igreja sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição. Mas ela ficou apenas nos alicerces por morte do presidente Inácio Barbosa e pelos impactos fatais do cólera (17). Porém, passada essa fase crítica, o então major (18) Pirro desenvolveu outros importantes trabalhos, tais como: planta e orçamento da nova Alfândega em Aracaju; organização do mapa das linhas do correio; planta da cadeia de Aracaju; pontilhão de Pedra do riacho Pancão e ponte do riacho Cabral, braços do rio Japaratuba; serviços de desobstrução do canal Pomonga; planta e orçamento do Hospital de Caridade de Aracaju; e o alinhamento e nivelamento da nova capital (19).

Pelo reconhecimento de seus relevantes serviços prestados à província e por sua “comissão ativa” em Sergipe, Basílio Pirro recebeu emolumentos – recompensa em dinheiro – do Imperador D. Pedro II (1825-1891) (20).

Por falar no Imperador, engenheiro Pirro fez parte da comissão para recepção de Suas Majestades Imperiais e comitiva, em janeiro de 1860. Neste sentido, o major de engenheiros fez a planta do atracadouro para desembarque do casal imperial na cidade de Laranjeiras; e em Aracaju ele projetou um “castelo” cenográfico na praça do Palácio (atual Fausto Cardoso), de onde teve lugar as “salvas” ao casal imperial (21). Além disso, Pirro acompanhou Pedro II na visita ao canal Pomonga, obra com vistas a melhorar a navegação dos produtos a serem exportados pela barra do Cotinguiba (22).

Quatro meses depois da visita imperial a Sergipe, maio de 1860, o engenheiro foi convocado pelo Ministério da Guerra para servir na província da Amazônia como diretor de obras (23). Basílio Pirro partiu, deixando uma casa alugada na “rua do Socorro” em Aracaju (24). Em 1877, essa casa já estava desocupada e “arruinada” (25). Pois a família Pirro nunca mais retornaria a Sergipe.

O então coronel de engenheiros Sebastião José Basílio Pirro faleceu no dia 21 de abril de 1880, em serviço de inspeção militar, na província do Rio Grande do Norte. Três meses depois, 09 de julho de 1880, sua esposa sergipana, Maria Vitória Pinheiro Pirro, também expirou no Rio de Janeiro (26).

Apesar dos importantes serviços prestados pelo engenheiro militar em Sergipe, ele foi homenageado somente com um pequeno trecho de rua que leva seu nome, no bairro Santo Antônio, em Aracaju.

Sendo assim, seu esforço e dedicação profissionais durante anos, mereceriam ser lembrados para além do que ficou gravado no imaginário popular, como apenas o primeiro projetista da capital dos sergipanos.

1 Professor de História – IFS/Campus Aracaju.
2 No século XIX, a grafia de “Pirro” era “Pyrrho”.
3 Segundo o biógrafo Sacramento Blake, Pirro nascera em 1817, mas conforme o jornal da época do falecimento de Pirro, ele teria nascido em 1818. BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 07, 1902. p. 210. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1880, nº 114, p. 01.
4 GOES e VASCONCELOS, Zacarias de. Fala à Assembleia Provincial. São Cristóvão, 01 de março de 1849, p. 34.
5 Frei José de Santa Cecília (1809-1859), músico e poeta de São Cristóvão-SE, dedicou um soneto ao finado recém-nascido, Afonso. Correio Sergipense. Sergipe, 14 de novembro de 1849, nº 80, p. 04. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 27 de abril de 1880, nº 117, p. 04.
6 Correio Sergipense. São Cristóvão, 14 de abril de 1849, nº 25. p. 02; GOES e VASCONCELOS, Zacarias de. Idem. p. 35.
7 SILVA, José Antônio de Oliveira. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa. Sergipe: Typographia Provincial, 1852. p. 32-39; Correio Sergipense. São Cristóvão, 1851, 1852, 1853, nº 80, 37, 30, 12 respectivamente.
8 ANDRADE, Amâncio João Pereira de. Regulamento da repartição das obras públicas. Sergipe, 11 de novembro de 1850. In Correio Sergipense. 16 de novembro de 1850, nº 88. p. 01-04.
9 SILVA, Francisco Pereira da. Relatório das obras públicas. Aracaju, 26 de fevereiro de 1859. p. 01-02.
10 Almanak Militar. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858. p. 12.
11 Correio Sergipense. São Cristóvão, 06 de junho de 1849, nº 39. p. 02; Correio Sergipense. São Cristóvão, 20 de julho de 1853, nº 47. p. 03.
12 BARBOSA, Inácio Joaquim. Fala recitada na Assembleia Legislativa. São Cristóvão, 20 de abril de 1854. p. 22; ANDRADE, Amâncio João Pereira de. Relatório com que foi entregue a administração da província. São Cristóvão, 19 de julho de 1851. p. 28.
13 Jornal do Recife, 09 de maio de 1880, nº 106, p. 01 e 02; Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 25 de abril de 1880, nº 114, p. 01.
14 Correio Sergipense. Aracaju, 02 de junho de 1855, nº 25, p. 03.
15 CARDOSO, Amâncio. Sob o signo da peste: Sergipe no tempo do cholera (1855-1856).Campinas-SP:UNICAMP,2001.(Mestrado em História Social).
16 Para obras da nova capital, Pirro foi auxiliado pelos engenheiros Francisco Pereira da Silva e José Xavier Garcia de Almeida. SÁ e BENEVIDES, Salvador Correia de. Relatório para Assembleia Provincial. Aracaju, 02 de julho de 1856. p. 54-55; Correio Sergipense. Aracaju, 11 de abril de 1857, nº 19. p. 02.
17 Correio Sergipense. Aracaju, 20 de novembro de 1858, nº 56. p. 03.
18 Pirro recebeu patente de major, por merecimento, em 02 de dezembro de 1856. Almanak Militar. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858. p. 12.
19 PIRRO, Sebastião José Basílio. Relatório das obras. Aracaju, 26 de fevereiro de 1859; Correio Sergipense. Aracaju, 11 de abril de 1857, nº 19. p. 02. Correio Sergipense. Aracaju, 11 de maio de 1859, nº 30. p. 03.
20 Correio Sergipense. Aracaju, 21 de janeiro de 1857, nº 04. p. 03.
21 Correio Sergipense. Aracaju, 17 de dezembro de 1859, nº 85. p. 03; Correio Sergipense. Aracaju, 12 de outubro de 1859, nº 66. p. 03.
22 Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 1866, nº 44. p. 02.
23 Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1860, nº 141. p. 01.
24 Secção de Arrecadação. Jornal do Aracaju, 01 de outubro de 1873, nº 426. p. 04.
25 Recebedoria Provincial. Jornal do Aracaju, 19 de julho de 1877, nº 833. p. 04.
26 Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1880, nº 114, p. 01. Jornal do Recife, 09 de maio de 1880, nº 106, p. 01 e 02; J. do Commercio. Rio de Janeiro, 12 de julho de 1880, nº 192, p. 02.

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