Palácios de Aracaju: nota histórico-arquitetônica

Amâncio Cardoso

“(…) além de continente das experiências humanas, a cidade é também um registro, uma escrita, materialização de sua própria história”.
Raquel Rolnik. 1994. p. 9

Embora não esteja entre as maiores metrópoles do Nordeste, a exemplo de Salvador, Recife ou Fortaleza, e nem entre as economias mais robustas do Brasil, Aracaju é uma cidade repleta de edificações denominadas de palácios. Para o étimo Palácio, os dicionários abonam acepções cujo campo semântico abrange o sentido de vasta e suntuosa residência de monarcas, de alto dignitário eclesiástico, de chefe de estado, etc.

Assim, a capital de Sergipe, mesmo nascida e assentada numa praia deserta e pantanosa em 1855, construiu seu primeiro Palácio de Governo, ele foi provisório. Esse casarão recebeu em janeiro de 1860 o Imperador D. Pedro II, sua esposa e comitivas. Em 1906, o antigo Palácio foi demolido e substituído pelo prédio da Delegacia Fiscal do Ministério da Fazenda.

Já em 1863, passa a funcionar o segundo e definitivo Palácio, sede do poder executivo do estado de Sergipe. Seu atual aspecto arquitetônico foi elaborado em 1920 pela denominada “Missão Artística Italiana”, vinda em 1918, de Salvador-BA, a convite do governador Pereira Lobo (1864-1933) para participar, com obras e reformas arquitetônicas, das festividades alusivas ao centenário de emancipação política de Sergipe (1820-1920). Só em 1954, o palácio passou a se chamar Olímpio Campos, homenageando o monsenhor e líder político da República Velha, Olímpio de Sousa Campos (1853-1906).

Desde 1995, o Olímpio Campos deixou de ser sede do governo estadual, reabrindo ao público em 2010 como Palácio-Museu, após restauro e exibição de sua arquitetura nos padrões do ecletismo (tendência arquitetônica fundada na conciliação de estilos do passado, predominante desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX).    

Ao lado desse Palácio está outro mais modesto, porém também importante no campo político. É o Palácio Fausto Cardoso, construção da segunda metade do século XIX. Ele homenageia um dos líderes políticos mais carismáticos da República Velha, Fausto de Aguiar Cardoso (1864-1906), desafeto de Olímpio Campos. Ademais, os dois Palácios rememoram os principais líderes de uma revolta entre dois grupos oligárquicos que disputavam o governo de Sergipe, culminando com o assassinato de ambos em 1906. Hoje, o Palácio Fausto Cardoso sedia a Escola do Poder Legislativo de Sergipe.  

Além dos dois palácios mais conhecidos vistos acima, existem outros prédios no centro histórico de Aracaju cuja função substituiu a designação de “palácio”. Um exemplo é o Arquivo Público do Estado de Sergipe. Em 1955, ele foi denominado de Palácio Carvalho Neto, em tributo ao advogado e político sergipano Antônio Manoel de Carvalho Neto (1889-1954). A obra do Palácio Carvalho Neto ficou a cargo dos engenheiros da empresa Emilio Odebrecht & Cia, em 1936, em estilo Art Déco – estilo arquitetônico decorativo de artes aplicadas, caracterizado pelo uso de materiais novos e por acentuada geometria de formas retilíneas e simétricas, predominante nos anos 1930. Ali funcionou a Biblioteca Pública. Mas, em 1974, com a transferência da Biblioteca para um novo edifício, o Palácio passou a abrigar o Arquivo Público Estadual.

Temos ainda o Palácio Sílvio Romero, em homenagem ao intelectual polígrafo nascido em Lagarto-SE, Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914). A edificação foi inaugurada em 1895, no estilo eclético. À época, nele funcionou o Tribunal de Relações até 1930. Depois, o prédio instalou a Chefatura de Polícia, o Serviço de Água e Esgotos, o Juizado de Menores, o Fórum Desembargador Vasconcelos e, por fim, o Arquivo do Poder Judiciário. Desde 2004, após restauração, ali foi instalado o Memorial do Judiciário, voltado à pesquisa, guarda e exposição de documentos sob a salvaguarda desse poder.

Nas proximidades do Palácio Sílvio Romero, está o Palácio Inácio Barbosa, inaugurado em 1923, sediando a Prefeitura. O nome deste palácio presta tributo ao fundador de Aracaju, Inácio Joaquim Barbosa Filho (1821-1855), que transferiu a antiga capital de Sergipe, de São Cristóvão para Aracaju, em 17 de março de 1855. Inácio Barbosa faleceu sete meses depois da mudança de cidade. O Palácio Inácio Barbosa foi inaugurado em 1926 no governo modernizante de Graccho Cardoso. Hoje esse palácio está desativado, e, o que é pior, está também abandonado.  

Mais um governante emprestou seu nome a um palácio aracajuano: Graccho Cardoso. Atualmente, no Palácio Graccho Cardoso funciona a Câmara Municipal de Aracaju. Mas antes, o local sediou, entre outros órgãos, o antigo Colégio Atheneu Sergipense. O patrono do palácio, Maurício Graccho Cardoso (1874-1950) foi um dos governantes mais empreendedores de Sergipe, no quadriênio de 1922 a 1926.

Outro exemplar palaciano, no centro histórico de Aracaju, é o Palácio Serigy.  O prédio foi inaugurado em 1938, no local da antiga Casa de Prisão. O Palácio Serigy desde então passou a abrigar diversos serviços da secretaria estadual da saúde. O prédio tem estilo Art Déco, e foi assinado pelo construtor alemão Hermann Otto Wilhelm Arendt von Altenesch (1900-1940), que atuou em Sergipe na década de 1930.

O antropônimo desse palácio presta homenagem ao índio Serigy, personagem que lutou e morreu na guerra de conquista colonial do nosso território, contra tropas lusos-baianas, em janeiro de 1590. A partir desse episódio, o índio Serigy tornara-se uma espécie de representação fundadora da identidade sergipana.

Outra edificação aracajuana que recebeu a chancela palaciana, foi o Palácio Episcopal, sede administrativa da Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Aracaju. Ele foi edificado em 1917, no padrão eclético, pelo construtor italiano Antonio Federico Gentile (1888-1970). No princípio, o casarão serviu de residência para a família de Nicola Mandarino (1883-ca.1965), comerciante também italiano, que morou em Aracaju desde o início do século XX até 1958.

Mais recentemente, outra edificação em estilo eclético, que se tornou Palácio, foi o imponente casarão dos Rollemberg. Construído em 1919, o projeto também levou a assinatura do já citado Antonio Federico Gentile, auxiliado por outros dois italianos: Rafaelle Alfano (escultor) e Oresti Gatti (pintor). O casarão pertenceu aos Rollemberg, tradicional família sergipana proprietária de terras. Ainda hoje, ele é uma das referências da arquitetura civil urbana de Aracaju, destacando-se seu jardim lateral, a escadaria sinuosa, a varanda com pilotis, sustentando um balcão no piso superior, com balaustrada de alvenaria, janelas com sacadas e pináculos nos ângulos do teto.

Em 2009, após restauração, o casarão dos Rollemberg foi adquirido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Sergipe, sendo denominado de “Palácio da Cidadania”.

Além dos dois casarões acima, uma casa também recebeu a denominação palaciana: o Palácio de Veraneio. A casa para lazer dos governadores do Estado foi construída entre final de 1939 e início de 1941. Provavelmente, ela teria sido mais um projeto de Hermann von Altenesch por manter características arquitetônicas do engenheiro alemão que, à época, tinha contrato de obras junto ao governo de então.

Atualmente, o Palácio de Veraneio, localizado na Atalaia, bairro balneário e turístico de Aracaju, está administrativamente desativado, embora esteja preservado pelo governo estadual.

Além dos prédios que elencamos acima, ainda temos mais edificações que ganharam o distintivo de palácio, como por exemplo: o Palácio dos Despachos ou Palácio Governador Augusto Franco, onde está o gabinete do atual governador; o Palácio Construtor João Alves (ex-palácio governador João Alves Filho), atual Assembleia Legislativa de Sergipe; e, mais recentemente, um outro Palácio Governador Augusto Franco (ex-Palácio governador Albano Franco), sede do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Vale lembrar que os dois últimos palácios acima (o da Assembleia e o do TCE) mudaram de nome porque, em abril de 2017, o juiz Marcos de Oliveira Pinto, da 12ª Vara Cível de Aracaju, proferiu decisão determinando a retirada de nomes de pessoas vivas dos prédios e demais logradouros públicos. Contudo, mesmo com a determinação judicial, tanto os ancestrais paternos quanto os respectivos descendentes permaneceram na memória coletiva, gravados nas paredes dos Palácios, por serem filhos ou homônimo. Não duvido que esse artifício tenha sido uma forma de driblar e/ou desobedecer a determinação judicial.

Rematando nosso tema, vimos que a capital de Sergipe é repleta de construções que adquiriram o status, às vezes inadequado, de palácio. Penso que não é incerto supor que sob esta prática recorrente, desde a fundação da cidade até nossos dias, subjaz uma forma compensatória que dissimula nossa ínfima posição na hierarquia das unidades federativas.   

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