O mundo real e o paralelo na pandemia de covid-19

Lysandro P. Borges, Ph.D. (FT-COVID-19/UFS) – Professor e pesquisador da UFS

Há mais de um ano, precisamente em 26 de fevereiro de 2020 foi notificado o primeiro caso de COVID-19 no Brasil, de um homem de 61 anos, dando entrada no Hospital Albert Einstein e vindo da Itália. Para os Brasileiros, tudo era tão distante, quando víamos as mortes diárias na Itália e o espalhamento do SARS-CoV-2 ao redor do globo. Ali começava o mundo paralelo, a virose que parecia só atingir as classes mais altas, rapidamente alastrou-se no Brasil.

O Carnaval não foi cancelado e no mundo paralelo, notícias como ‘’ele não resiste no sol’’ ‘’lá é assim por causa do frio“ e comentários como ‘’Só afeta idosos e na Itália tem muitos’’ espalhavam-se disseminando o outro vírus, o das fake news. Entretanto nosso grupo de estudo da UFS publica um estudo pioneiro mostrando que o vírus já circulava em Sergipe 1 mês antes, e antes do carnaval, que foi um grande gatilho da disseminação do vírus nas principais capitais brasileiras: o SARS-CoV-2 sambou e gostou.

Gradativamente no mundo real, os hospitais enchiam de pacientes contaminados e agravando rápido, naquela época houve erros e acertos, como ouvíamos muito ‘’trocar a roda do carro em movimento’’ e trocamos, o SUS sobrevive e o carro não fundiu o motor, mas realmente estamos no limite, chegando no dia 28 de maio a casa de 457.000 mortes e os profissionais de saúde no seu limite máximo.

O tempo foi passando e nos pseudos-Lockdowns, pouco incentivo de uso de máscaras e aglomerando sem pena, fomos nos acostumando as mortes e casos em alta. Desligar a TV, mudar a estação do rádio ou não ler o jornal era a passagem perfeita para viajar ao mundo paralelo.

Descobrimos que a imunidade de rebanho estimada, não funcionou para este vírus, pois estudos sugerem que os anticorpos IgG duram por cerca de 5 meses e Manaus que em teoria estava imunizada descobriu da pior forma que o SARS-CoV-2 é natural a adaptação escapando dos anticorpos: a P1 veio pra nos tirar o fôlego.

Além disso, estudos mostram que no mundo paralelo, onde acredita-se que existe tratamento preventivo (mesmo 250 estudos no mundo dizendo que não), 1 em cada 4 brasileiros usou o kit milagroso (23% dos Brasileiros) e em Manaus, este mesmos agravaram muito mais devido a falsa sensação de proteção, que infelizmente não existe.

No mundo real sabemos o que funciona: vacinação em massa, máscaras de qualidade (PFF2), álcool gel e distanciamento social.

No mundo paralelo, a pandemia acabou, está valendo máscara no queixo, ou com nariz de fora ou até mesmo, não usar. Está valendo a lei da sobrevivência e a cada morte a sensação de que não foi comigo, tudo bem, sigo a vida.

No mundo real, quem trabalha nos hospitais, clínicas e ambulatórios observam diariamente o desespero da falta de ar e o agravamento rápido. A força tarefa COVID-19 da UFS, já realizou 100.000 testes e testamos profissionais de saúde, segurança pública, comunicação, construção civil, garis, caminhoneiros, sistema prisional, jogadores de futebol, IML, UFS, escolas da rede pública e órgãos públicos. Observamos altos níveis de contaminação e baixos níveis de anticorpos de memória, concluindo que: a situação continua grave, os anticorpos sozinhos não vão nos proteger e quem pegou, pode se contaminar novamente.

No mundo real quem vai agravar? Esta pergunta permeia todas as discussões científicas atuais, o que se sabe é que são um conjunto de fatores que somados predizem, este vai agravar e este não. Presença de alterações no cromossomo 3 de origem neardental, alterações no cromossomo 6, reativação de um retrovírus endógeno (HERV-K), sangue A positivo e sexo masculino, além da presença de diabetes descompensada, hipertensão e obesidade são fatores que levam ao agravamento da doença.

Em Sergipe, desde a primeira publicação em maio de 2020, do nosso grupo (FT COVID-19/UFS) no Jornal Panamericano de Saúde Pública vinculado a OMS, onde mostrávamos a circulação intensa do vírus pela presença de anticorpos IgM e poucos IgG, muitas testagens se passaram e o vírus se adaptou e mutou, adorando conviver em um país onde a circulação de pessoas não diminui e onde as aglomerações são constantes, apesar dos casos e mortes (vide mundo pararelo).

Em Sergipe, estamos em alta da circulação do vírus há 79 dias (Rt maior que 1.0) e no platô de casos e óbitos e isso se deve a 4 fatores: alta taxa de mobilidade, pouco uso da máscara, aglomerações e vacinação escassa.

Agora a CEPA INDIANA (B.1.617.2) causa alerta em todo o mundo e entra na lista das variantes de preocupação, alem da P1 (que já predomina no Brasil), Britânica (B.1.1.7) e da África do Sul (B.1.351). Sabe-se que é natural o vírus mutar (já fez isso 800 vezes), mas quando a mutação muda o ‘’modus operanti’’ do vírus, deixando-o mais infectivo ou furtivo dos anticorpos, gera preocupação.

A notícia boa, as vacinas conseguem ser eficazes mesmo na cepa indiana e as máscaras protegem de todas as cepas (no mundo paralelo isso é novidade), assim o Brasil e todos os Estados que compõem a federação, com 10% de vacinação em segunda dose se transformaram em uma ‘’sopa de cepas’’, onde veremos o embate épico em breve: CEPA BRASILEIRA (P1) versus CEPA INDIANA (B.1.617.2), advinha quem perde: a população brasileira.

No mundo paralelo, a pandemia acabou e seguimos a vida. No mundo real, o vírus veio pra ficar, com vacinação obrigatória anual e sem medicamentos milagrosos. Até quando, é a pergunta que mais surge. Na resposta: a VACINA para mais de 70% da população seria o segredo para queda de casos e óbitos (vide Israel, Reino Unido e Estados Unidos).

No mundo real aproxima-se a 3ª onda no Brasil e 4ª onda em Sergipe, sendo a vacinação, o uso da máscara (mesmo vacinado), higiene das mãos e o distanciamento que vão fazer o mundo real virar o paralelo e colhermos os frutos de 2 anos de pandemia com  milhares de sequelados, recessão econômica e prejuízo educacional nacional. O que fica neste encontro do paralelo e o real, a necessidade de investir em educação de qualidade, pesquisas, tecnologia e valorização da ciência de qualidade (Universidades Públicas e Institutos), para que possamos enfrentar as novas pandemias que virão, com sabedoria, fé e ciência.

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