As guerras continuam…

Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação

No dia 24 de fevereiro do corrente ano, o presidente russo Vladimir Putin anunciou a operação militar especial supostamente para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia, marcando uma escalada de destruição das cidades envolvidas no confronto, de perdas irreparáveis de vidas dos dois lados do conflito e de êxodo, sem precedentes, de cidadãos ucranianos. Segundo os analistas e, talvez, o próprio mandatário russo, a guerra duraria poucos dias, diante da desproporcional supremacia soviética. Erraram, provavelmente, por subestimarem a corajosa resistência ucraniana aliada a um providencial apoio dos Estados Unidos e seus aliados europeus, fazendo com que a conflagração perdure até os dias atuais, promovendo consequências econômicas e humanitárias que se estendem muito além do cenário físico do embate.

A “guerra” contra a Covid-19, iniciada em 2020, na visão dos especialistas, também não perduraria muito tempo e acreditava-se que, em meados daquele ano, a vida voltaria ao normal. Mais um erro de subestimação do inimigo, nesse caso, do vírus, batizado de SARS-Cov-2, que protagonizou uma batalha insana com os médicos e demais profissionais de saúde que desconheciam a enfermidade e com a imunidade inata (resposta à agressão, independentemente de estímulo prévio) dos indivíduos acometidos pela doença já que, no início, não havia a imunidade adaptativa, adquirida após o contato com os patógenos ou mediante as vacinas. O ardiloso Novo Coronavírus saiu-se vitorioso em muitas pelejas, ceifando, até o momento a vida de mais de 660.000 brasileiros, além de promover, também, um colossal estrago econômico mundo afora, sobretudo nos países menos desenvolvidos.

Vale ressaltar que, embora o melhor entendimento do processo patológico e a incorporação de algumas drogas e de tecnologias auxiliares, tenham promovido sucesso terapêutico, sobretudo naqueles casos mais críticos, foi inquestionavelmente a vacinação que se constituiu no principal armamento para o enfrentamento da virose, possibilitando a situação próxima da normal, que ora desfrutamos. O Ministério da Saúde publicou, recentemente, uma Portaria que estabelece o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), instaurada em fevereiro de 2020 devido à Covid-19. A referida nota foi fundamentada na melhoria do cenário epidemiológico, na alta cobertura vacinal e na capacidade de resposta e assistência do Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, como um percentual significativo da população brasileira vacinável ainda não completou o esquema de imunização, o surgimento de novas variantes, pode, em tese, virar o jogo para o lado do impiedoso vírus.

As “guerras” não se desenrolam somente nos campos de batalha! Elas são travadas, também, nos mais variados tipos de mídias, particularmente nas sociais, onde cada lado usa a retórica, para defender a sua versão, muitas vezes falsa, sempre em benefício próprio, e em detrimento do oponente. Na “guerra” contra a Covid-19 não foi diferente, com a politização da doença e a consequente polarização das condutas de combate ao vírus, provocando rachaduras entre familiares, amigos e entidades de classe, que ficaram em lados opostos, ao invés de unir forças contra o inimigo comum. Termino citando uma apropriada frase atribuída ao dramaturgo grego, Ésquilo: “Na guerra, a primeira vítima é a verdade”.

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