Amâncio Cardoso – Inácio Barbosa: de que morreu o fundador de Aracaju?

Amâncio Cardoso
Professor de História do IFS

Um dos fatos políticos mais lembrados na História de Sergipe é a mudança da capital em 1855. Mas o executor da transferência, Inácio Joaquim Barbosa (1821-1855), morreu sete meses depois do ato, com pouco mais de 30 anos, sem acompanhar os resultados de sua resolução. Assim, em agosto de 1855, cinco meses após a mudança da capital para Aracaju, ele teve que abandonar a cidade em construção, falecendo dois meses depois em Estância, no dia 06 de outubro.

Alguns afirmaram que ele foi vítima da malária, febre palustre ou impaludismo, devido ao destocamento de mangues e aterros de apicuns na capital recém criada. Outros se referiram à causa da morte de forma imprecisa. Mas, afinal, qual teria sido a causa mortis de Inácio Barbosa? Para responder à questão, examinemos os testemunhos coevos e a historiografia sobre o tema.

Até hoje, não se encontrou um documento comprobatório sobre a causa da morte do fundador de Aracaju. O que se sabe é que ele sofreu com febres intermitentes, ou sezões, durante dois meses. Os amigos mais próximos ao presidente usavam termos vagos, quando se referiam à morte do jovem governante. Talvez por não saberem um diagnóstico preciso.

Neste sentido, João Gomes de Melo, Barão de Maruim (1809-1890), que apoiou Inácio Barbosa na articulação da mudança da capital de Sergipe, e seu substituto na adminstração da província em setembro de 1855, enquanto Inácio lutava contra a morte em Estância, relatou que o presidente Barbosa fora acometido por “grave moléstia”, sem determinar a qual.

Um grande amigo e secretário de Inácio Barbosa, que o amparou nos braços nos últimos suspiros do presidente, Domingos Mondim Pestana, declarou que Inácio sofrera de uma “longa e complicada enfermidade”, sem mais explicações. Três anos depois, ele repetiu que “uma grave enfermidade” se apoderou do presidente e que a doença “não cedia aos esforços de seus hábeis médicos”.

Um outro amigo de Inácio escreveu durante a solenidade de instalação do túmulo com os restos mortais do presidente na Igreja São Salvador, em Aracaju, que o presidente sofrera “com a maior resignação e paciência os trâmites de uma enfermidade aguda”; sem oferecer outros detalhes.

Ainda outro testemunho, o político e empresário que tratou de negócios da província com Inácio Barbosa, Antônio José da Silva Travassos (1804-1872), também fora impreciso sobre a causa que vitimara fatalmente o presidente. Ele escreveu em seus ‘Apontamentos’, em 1860, que o dr. Barbosa fora vítima das “moléstias endêmicas que se davam no Aracaju desde a transferência da capital”.

Apesar das imprecisões, a hipótese mais aventada, e aceita pela historiografia, sobre a causa mortis do fundador de Aracaju, é que ele fora vitimado pela febre palustre ou sezões, popularmente denominada “febres do Aracaju”. Essa hipótese foi divulgada, sobretudo, pelo primeiro historiador sergipano, o médico Felisbelo Freire (1858-1916). Em sua “História de Sergipe”, de 1891, ele escreveu que o jovem governante teria morrido por consequencia da “febre palustre”. Seu diagnóstico influenciou os demais historiadores.

Neste sentido, em 1955, em conferência pelo centenário da fundação de Aracaju, o professor Bonifácio Fortes (1926-2004) também afimou que a “malária”, sinônimo de febre palustre, pôs fim à vida do jovem político.

Por outro lado, o padre Aurélio Vasconcelos de Almeida (1911-1999), principal biógrafo de Inácio Barbosa, reacendeu a incerteza sobre o tema. Ele escreveu que “os esforços da medicina foram baldados” e que o jovem presidente sucumbira “ante a violência da moléstia que não se sabe bem qual fora”.

Entretanto, na contramão da historiografia e das fontes apresentadas, encontrei uma terceira hipótese para a causa morte de Inácio Barbosa, até agora inédita. O correspondente em Sergipe do Diário de Pernambuco, assinando com a alcunha de “Cotinguibeiro”, publicou na edição de 08 de outubro de 1855, que Inácio Barbosa vinha tomando um composto de “arsênico”, receitado por um de seus médicos em Estância, dr. Antônio Ribeiro Lima, com o intuito de aliviar suas sezões ou febres. Por isso, o “Cotinguibeiro” registrou ainda que em Sergipe algumas pessoas alardeavam “todos os sintomas de envenenamento” no presidente, após ser-lhe ministrado o composto com arsênico.

O que ocorre é que o arsênico era um produto controlado pela Provedoria de Saúde do Império, devido a seu alto poder de envenenamento em animais e humanos. Ademais, os relatos de época atestam que Inácio Barbosa tinha uma sáude débil desde quando chegou em Sergipe, e mesmo antes de adoecer gravemente.

Em contrapartida, o dr. Ribeiro Lima publicou artigo, no jornal oficial da província, sobre os benefícios do composto de arsênico contra as sezões “para se livrar das calúnias”. Dessa forma, ele escreveu sobre a eficácia terapêutica do “ácido arsenioso” contra febres, citando pesquisas e experiências de médicos europeus, incluindo dr. Sigaud, médico de D. Pedro II. Em sua própria defesa, o médico de Inácio Barbosa conclama o público a seguir “os ditames da ciência”, e que desprezasse “os embustes da ignorância, do charlatanismo e da maledicência”. O dr. Ribeiro Lima estava preocupado com os “maledicentes”, que o acusavam de envenenar seu mais ilustre paciente, como acusara o “Cotinguibeiro”, naquela edição do Diário de Pernambuco.

Quanto ao “Cotinguibeiro”, ele sustentou a acusação de envenenamento do presidente. Mas parece que sua denúncia não teve efeito. Talvez porque ele fosse da facção política contrária à de Inácio Barbosa.
Afinal, Inácio Barbosa teria morrido por consequencia de uma doença febril que durou sessenta dias? Ou fora envenenado por negligência médica com um remédio cuja eficácia era discutível, e não aprovada pela Provedoria de Saúde?

O problema está posto. Trouxemos à luz uma fonte dissonante. Mas como a História recria constantemente o passado, deixo o prosseguimento da terefa para a perícia empírica e a habilidade imaginativa dos futuros filhos de Clio.

Fontes:
MELO, João Gomes de. Relatório de Governo. Aracaju, 27 de fevereiro de 1856. p. 01.
PESTANA, Domingos Mondim. Morreu! Correio Sergipense. Aracaju, nº 47, 17 de outubro de 1855. p. 03.
PESTANA, Domingos Mondim. Discurso fúnebre. Correio Sergipense. Aracaju, nº 10, 27 de fevereiro de 1858. p. 04.
Correio Sergipense. Aracaju, nº 09, 17 de fevereiro de 1858. p. 05.
TRAVASSOS, A. J. da Silva. Apontamentos históricos e topográficos sobre a província de Sergipe. Aracaju: Secult, 2004. p. 61.
FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. 3. ed. Aracaju: IHGSE, 2013. p. 370.
FORTES, Bonifácio. O governo Inácio Barbosa. Revista do IHGSE. Aracaju, v. 17, p. 81-104. [1959]. Citação p. 101.
ALMEIDA, Pe. Aurélio Vasconcelos de. Esboço biográfico de Inácio Barbosa. Aracaju: Sercore, 2000. p. 31-32.
A PEDIDO. Correio Sergipense. Aracaju, nº 37, 11 de agosto de 1855. p. 2-3.

Rolar para cima