Alergia ao leite de vaca, um desafio enfrentado pelo Núcleo de alergia Alimentar em Sergipe

Dra. Jackeline Motta Franco*
Médica Pediátrica e Alergista

O dia 8 de julho, Dia Mundial da Alergia, promove a conscientização e o alerta para uma das doenças mais frequentes do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A alergia alimentar, definida como uma reação adversa ao alimento, de caráter imunológico, que acomete indivíduos geneticamente predispostos, é uma dessas doenças e exerce significativo impacto na saúde, não somente do ponto de vista clínico, mas também psicossocial e econômico dos pacientes, dos seus familiares e do sistema de saúde.

A exata prevalência da alergia alimentar no Brasil não é conhecida. Apesar da escassez de dados, existe uma percepção clínica de que a frequência de novos casos e a sensibilidade a diferentes alimentos estejam presentes cada vez mais em nosso dia a dia. De acordo com a base de dados de nomenclatura da OMS e da União Internacional de Sociedades de Imunologia, até 2021 haviam sido registrados mais de 160 alérgenos alimentares. Sendo, pois, muito importante identificar e compreender os impactos da alergia alimentar, um desafio para gestão pelas equipes de saúde.

O Núcleo de Alergia Alimentar de Sergipe (NAAS), sediado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, é um centro de atendimento multidisciplinar que pericia casos de crianças com suspeita de alergia alimentar em Sergipe há 15 anos. Por meio de atendimento criterioso e de qualidade, possibilita o diagnóstico assertivo de alergia às proteínas do leite de vaca (APLV), o acesso à terapia nutricional adequada e a integralidade da assistência aos usuários, estabelecendo fluxo hierarquizado de acordo com níveis de complexidade. Funciona em seis turnos no Hospital Universitário (terça, quarta e quinta-feira manhã e tarde) com atendimentos em consultas, testes de provocação oral de baixo e alto risco, avaliações pós teste e interconsultas. São atendidas, em média, 400 consultas por mês, e realizados de 80 a 100 testes de provocação oral, dos quais 25% de alto risco, executado em ambiente hospitalar, e 75% de baixo risco, em ambulatório.

Em levantamento realizado no NAAS no período de maio de 2014 a janeiro de 2016 foram atendidos 517 casos novos, 359 crianças realizaram o TPO, e 297 (82,7%) tiveram resultado negativo, ou seja, aproximadamente apenas 2 em cada 10 crianças tinham verdadeiramente APLV. Isso é importante não só para as famílias, em uso de fórmulas especiais desnecessariamente, como para diminuir os custos para os sistemas de saúde, tão carente de recursos.

Ao longo dos anos, embora tenha havido progressos na área diagnóstica, o teste de provocação oral (TPO) ainda permanece como uma ferramenta “padrão ouro”. Consiste na oferta progressiva do alimento suspeito, após um período de exclusão, em doses frequentes e intervalos regulares, sob supervisão médica, com concomitante monitoramento de possíveis reações clínicas. Indicado para estabelecer ou descartar o diagnóstico de alergia e para avaliar tolerância, exige recursos materiais e equipe treinada para tratar reações alérgicas de qualquer grau de gravidade. O NAAS tem todos os recursos físicos e pessoais para garantir o diagnóstico preciso das crianças sergipanas com suspeita de alergia alimentar, otimizando o tratamento.

O manejo da alergia alimentar consiste primordialmente na dieta de exclusão do alimento alergênico. O alimento, é elemento essencial à vida humana. Sem o acesso a uma alimentação adequada em termos de qualidade e quantidade, o ser humano não apresenta condições necessárias para desenvolver suas capacidades, potencialidades e aspirações.

Em lactentes com alergia ao leite de vaca, o estímulo ao aleitamento materno é sempre a meta, entretanto, quando isto não é possível, ou se o leite materno é insuficiente, o uso de fórmulas infantis especiais é mandatório, principalmente nos seis primeiros meses de vida. Fórmulas infantis para tratamento de alergia alimentar são definidas como composições destinadas a suprir necessidades dietoterápicas especiais, que se enquadram, na definição pela ANVISA, como fórmulas para fins especiais. A finalidade é nutrir, atendendo às necessidades específicas decorrentes das alterações fisiológicas e/ou doenças temporárias ou permanentes. Apesar de imprescindíveis, seu alto custo impede o acesso à maioria das famílias brasileiras, o que pode gerar além dos sintomas clínicos, importantes agravos nutricionais. Os serviços públicos de Sergipe, para minimizar tais agravos, têm adquirido estas fórmulas para distribuição aos pacientes, que delas não podem prescindir.

O NAAS já percorreu uma longa caminhada, mas sempre haverá mais um caminho a percorrer. O conhecimento da alergia através do diagnóstico assertivo, fundamentado no TPO, o fornecimento das fórmulas especiais para o tratamento e a rede de apoio fornecida por uma equipe multidisciplinar são pilares imprescindíveis para uma adequada assistência ao lactente sergipano com APLV. Entretanto, são necessárias ações de ampliação de conscientização acerca da seriedade da alergia alimentar assim como implementação de programas preventivos e de apoio psicológico aos pacientes e seus familiares.

*Mestre em Ciências da Saúde – UFS, Doutora em Pediatria pela UFSP, Coordenadora do Núcleo de Alergia Alimentar da UFS e Diretora Científica Adjunta da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia.

Editor: Prof. Dr. Ricardo Queiroz Gurgel
Coordenador PPGCS: Prof. Dr. André Sales Barreto

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