A prisão de Zé Luiz pelo regime militar

Afonso Nascimento – Professor de Direito da UFS

Os estudantes de Direito têm sido aqueles que mais foram presos na história das lutas estudantis em Sergipe. Essa tradição de rebeldia e de cadeia das elites dirigentes do Centro Acadêmico “Sílvio Romero” (CASR), fundado em 1951, começou no ano de 1952, quando alguns desses acadêmicos acusados de envolvimento com o PCB foram presos e responderam a inquérito policial militar, até o ano de 1978, quando o general Ernesto Beckmann Geisel visitou Aracaju e começava o processo de abertura política do país. Muitos são os nomes desse grupo lembrado em muitos documentos acadêmicos como, por exemplo, Osório de Araújo Ramos, Mário Jorge, Wellington Mangueira, Augusto Gama, Elias Pinho, Carlos Alberto Menezes, entre outros. A essa turma incompleta tem faltado um nome de que só agora tomei conhecimento. Trata-se de José Luiz Gomes, conhecido como Zé Luiz, ex-presidente do CASR e do Diretório Central dos Estudantes (DCE).

Corria o ano de 1978 e o regime militar, na figura do general luterano que tomou posse em 1974, caminhava para o que ficou chamado de processo de abertura ou de descompressão política, com vista a pôr um termo no mais recente período de autoritarismo que durou vinte e um anos (1964-1985). Dois documentos legais draconianos da ditadura militar, o AI-5 e o decreto-lei 477, estavam revogados e respirava-se um clima de afrouxamento das restrições impostas pela gente da caserna aos brasileiros. A despeito disso, entre os anos de 1975 e 1976, a “linha dura” do regime se abateu sobre membros do PCB em vários estados brasileiros, inclusive em Sergipe, com a denominada Operação Cajueiro, que prendeu, torturou e deixou um sergipano cego para sempre.

No Estado de Pernambuco, em 1978, o estudante Edval Nunes, do curso de Ciências Sociais da UFPE, apelidado de “Cajá”, foi sequestrado, preso e torturado pela Polícia Estadual, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Revolucionário (PCR). Entre as torturas aplicadas no referido jovem, duas foram especialmente cruéis. A primeira foi a roleta russa, mediante a qual certo policial punha uma bala no revólver, apontava para a sua cabeça e atirava. Felizmente, em nenhuma dessas ocasião, o estudante foi baleado, o que poderia ter ceifado a sua vida. A outra brutal tortura foi grampear o saco escrotal do prisioneiro. Isso mesmo, com um grampeador de papel. Como o rapaz era próximo de D. Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e de Recife, esse religioso entabulou uma campanha nacional e internacional pela libertação de Cajá. Essa campanha repercutiu no meio universitário sergipano e lideranças estudantis resolveram engajar-se na luta para libertar o pernambucano. Zé Luiz assumiu a liderança desse processo juntamente com Milson Barreto, estudante de Engenharia, e outros alunos de outras áreas.

Embora que eu não o veja há mais de quarenta anos, eu conheci Zé Luiz quando estava de saída da Faculdade de Direito em 1976. Ao decidir escrever esse texto, busquei informações sobre ele, com ele e com colegas dele, e sobre o episódio político que prestava solidariedade ao estudante pernambucano. Fiquei sabendo que esse estudante de Direito entrara no radar da Assessoria de Segurança e Informação (ASI), órgão do SNI dentro da UFS.

Com efeito, de acordo com o chefe da ASI de então, o coronel José Brito da Silveira, “não havia condições convenientes para que o estudante José Luiz Gomes tomasse posse na gestão eleita para a direção do Diretório Acadêmico (DA) Silvio Romero” e que, acrescentava, “a posse da chapa “Atitude”, possivelmente vinculada ao referido DA do Curso de Direito, estaria condicionada, com a aquiescência da vice-reitoria, ao “processamento do LDB [ Livro de Dados Biográficos] por essa Assessoria” (ASI/UFSE, Of. nº 50/1977)”.  Malgrado a restrição, José Luiz Gomes foi empossado. Luciano Oliveira, em troca de mensagem comigo por via eletrônica, me disse que os tempos eram outros e que a ASI já não fazia mais medo a ninguém.

Voltando ao relato… À frente desse movimento, Zé Luiz, aproveitando-se da referida vista de Geisel a Aracaju, preparou uma Carta/Documento –  protestando contra a prisão em Recife e exigindo a soltura imediata de Cajá – a ser entregue ao general. Isso ocorreu no período de férias escolares da UFS, no mês de julho ou no mês de agosto, numa manhã ensolarada. Quando o carro transportando o ditador chegou à Praça Fausto Cardoso, onde funcionava o então palácio do governo, Zé Luiz, Milson Barreto e Clímaco César foram rapidamente cercados e postos em um carro sem placa oficial e encaminhados ao Quartel da Polícia Militar, na rua Itabaiana, a três quarteirões do local onde o incidente político ocorrera. Para mim, não ficou claro quais foram as autoridades que os prenderam: policiais militares, policiais federais ou policiais civis.

Segundo outro estudante detido, Milson Barreto, nas dependências do quartel, três policiais civis puseram revólveres nas cabeças dos estudantes, perguntando se eles queriam morrer. Zé Luiz me informou que não sofreram torturas físicas, mas somente torturas psicológicas. Passaram praticamente todo o dia no quartel, somente sendo libertados no começo da noite. Os policiais trouxeram almoço para os jovens detidos e fizeram interrogatórios (do tipo bom-e-mau policial) e deram diversos telefonemas, sendo um deles dirigido ao economista Aloísio Campos, que era o então o reitor da UFS. Zé Luiz relatou pensou que tudo poderia acontecer. Mais a sua prisão ficou “apenas” nisso.

A sua militância não parou aí. Zé Luiz continuou no movimento estudantil depois desse evento político nos estertores da ditadura militar, em seguida envolvendo-se profissional e perigosamente como advogado de sindicatos rurais ligados à Igreja Católica no oeste da Bahia. Mais tarde, fez concurso para a Justiça Federal em Salvador pela qual se aposentou. No momento está escrevendo suas memórias relatando sua trajetória como militante estudantil e como advogado engajado em causas populares e servidor público. Vale a pena aguardar a sua publicação em breve.

PS: Quero agradecer a José Luiz Gomes, a Milson Barreto, a Luciano Oliveira, a Eugênio Nascimento pelas conversas informativas e ao pesquisador José Vieira da Cruz por me permitir o acesso ao documento da ASI.

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