Ana Lúcia e a política dentro e fora do parlamento


Afonso Nascimento – Professor de Direito

Ana Lúcia nunca foi uma revolucionária (não fez nenhuma revolução!) e até aceitou as regras do jogo político burguês participando de quatro eleições para deputada estadual e de todas elas saindo vitoriosa. As votações recebidas parecem ser bem estáveis, o que pode indicar uma certa fidelidade dos seus eleitores, compostos majoritariamente de professores da rede estadual de ensino e de seus familiares. Na primeira eleição, ela obteve 20.274 mil votos; na segunda,30.021 mil votos; na terceira, 20.000 mil votos e na quarta, 26.334 mil votos. Vale relembrar que o SINTESE tem cerca de vinte e seis mil associados. Durante os seus quatro mandatos foram governadores  de Sergipe João Alves Filho, Marcelo Déda, Jackson Barreto e Belivaldo Chagas. No plano nacional, foram os anos do fim da era neo-liberal (FHC)  e da ascensão e queda do PT no poder (Lula e Dilma), através de um golpe midiático e parlamentar que tirou a presidente Dilma do Palácio do Planalto.

Nos quatro mandatos exercidos pela deputada Ana Lúcia, ela apresentou 2.876 proposituras. Um recorde em termos de desempenho parlamentar! Essas proposituras tomaram a forma de requerimentos, indicações, projetos de lei, projetos de resolução, propostas de emendas à constituição estadual, projetos de decretos legislativos e emendas a propisturas alheias – possibilidades legislativas essas também válidas para quem quiser fazer uso delas.

Da intensa atividade legislativa da deputada estadual Ana Lúcia, dezenas dessas proposituras foram tornadas leis. De que trataram as leis de sua autoria aprovadas pela Assembleia Legislativa? Direi que a maior parte é de leis mais  simbólicas (e, portanto, com impacto social reduzido) do que outra coisa, porque os legisladores estaduais estão proibidos de produzir leis geradoras de despesas para o orçamento estadual. Simbólicas, é verdade, mas que indicam os seus posicionamentos em relação aos grupos sociais pelos quais atuou como representante política. Mais precisamente, mencionarei leis sobre a meia-entrada para professores em casas de diversão, sobre a patrona da educação sergipana, sobre violência contra a mulher, sobre o dia da mobilização da educação, sobre o ano de Ofenísia Freire, sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, sobre a intolerância religiosa, sobre dança afro, sobre a mulher afrodescendente religiosa, sobre a Caminhada Oxalá etc. É importante destacar que as leis sobre a educação no Brasil são grandemente federais, sobrando pouco espaço para a criação legislativa em nível estadual e municipal. Indo um pouco além, suponho que Ana Lúcia deve ter tido um papel importante em todos os debates sobre educação na comissão da educação e no plenário da Assembleia Legislativa.

As atividades políticas da deputada estadual Ana Lúcia fora da Assembleia Legislativa talvez tenham sido mais intensas do que aquelas no espaço da política institucional. Veja você que, enquanto líder sindical, ela falava do lugar de líder da corporação profissional que é o magistério estadual, alargando o seu trabalho de  representação para incluir o “serviço público, mulheres, crianças, adolescentes, estudantes, o povo negro, os pequenos agricultores, os sem-terra, trabalhadores da economia solidária, LGBT, os sem-teto, barqueiros, marisqueiras, catadoras de mangaba, povos de terreiros, quilombolas, trabalhadores e produtores culturais, a população sem proteção e sem direitos” (citação extraída da capa do pacote contendo os seu livro sobre as leis que fez aprovar). Ela sempre esteve junto às atividades da CUT estadual e nacional.

A deputada estadual Ana Lúcia recebeu diversas homenagens ao longo de sua carreira política profissional. Ela foi agraciada com o título de “madrinha da Parada LGBT” pelo Oxé Pensadores de Consciência Negra e também foi homenageada pelo SINTESE, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, pelo Fórum em Defesa da Grande Aracaju, pelo Quilombo Brejão dos Negros, pelo Fórum Sergipano de Religião de Matriz Africana, pelo Ilé Àsé Ìdilé Ògun, pela Sociedade Omolàiyé, pelo Coletivo de Ogãns e Ekédis Égbé Sergipano, pela Comunidade Ojú Ifá, pela Comenda Padre  Gérard Lothaire Jules Olivier de Direitos Humanos, entre outras distinções.

É interessante anotar que a sua trajetória política começou e se manteve como representante corporativista (os professores estaduais) sendo complementada com uma vasta atuação à frente de grupos sociais marginalizados em busca de reconhecimento e redistribuição. Levou muitos desses grupos às galerias e ao plenário da Assembleia Legislativa (uma certa forma de “ocupação”?), dando a eles o sentimento político de empoderamento. É impossível encontrar entre membros da classe política sergipana uma militante que tenha no seu currículo tantos eventos políticos como greves, protestos, passeatas, atos políticos, campanhas eleitorais, etc. Alguém a definiu muito bem ao afirmar que, quando ela “compra briga” desses movimentos sociais, uma força ideológica interior muito forte e furiosa faz com que ela não consiga parar. É assim que ela é. Em sentido geral, ela dignificou a política sergipana como ninguém.

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